Acórdão nº 646/16 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução23 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 646/2016

Processo n.º 684/2016

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Por despacho de 22/04/2016, do Diretor do Estabelecimento Prisional de Coimbra, foi aplicada ao recluso A. (o ora Recorrente) a medida disciplinar de internamento em cela disciplinar, pelo período de quinze dias, nos termos do artigo 105.º, n.º 1, alínea g), do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).

1.1. Inconformado com tal decisão, o recluso impugnou-a junto do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra – tendo o processo corrido ali os seus termos com o número 962/10.0TXCBR-N –, alegando, inter alia, o seguinte:

“[…]

H. É inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e culpa o entendimento e dimensão normativa da alínea j) do art. 104.º CEP segundo a qual comete a infração disciplinar plasmada na alínea j) do art. 104.º CEP o recluso que em gozo de licença de saída jurisdicional e sem dar entrada no estabelecimento prisional vem a ser intercetado pela Policia Judiciária e conduzido às suas instalações, vindo a apurar-se que transportava consigo certa quantidade de produto estupefaciente.

[…]

J. Tem-se por inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, culpa, proibição da dupla punição e proporcionalidade, com assento na Constituição da República Portuguesa, o entendimento e interpretação normativa da norma legal vertida no art. 111.º, n.º 5, do CEP, no sentido em que, em caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento ou internamento em cela disciplinar não é de efetivar, na concreta sanção a aplicar, o integral desconto (por analogia e à imagem do que sucede no art. 80.º, n.º 1, do CP) do tempo da medida cautelar anteriormente cumprida no âmbito do mesmo processo.

[…]

L. Mostra-se disforme à Lei fundamental, por violação dos princípios da igualdade, legalidade (com manifesta demissão dos deveres impostos ao legislador), culpa, proibição da dupla punição e proporcionalidade, com assento na Constituição da República Portuguesa, o entendimento e interpretação normativa da norma legal vertida no art. 111.º, n.º 5, do CEP no sentido de em caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento ou internamento em cela disciplinar o tempo da medida cautelar anteriormente cumprida é apenas ponderado bastando para o cumprimento de tal comando legal que tal ponderação se mostre expressa/escrita na decisão sem necessidade de determinação prévia da medida sancionatória sem tal ponderação, a permitir a qualquer declaratário normal percecionar o quantum de ponderação levado a cabo.

[…]”.

1.1.1. Foi esta impugnação julgada improcedente pelo Tribunal de Execução de Penas de Coimbra.

1.2. Ainda inconformado, o recluso apresentou requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com o seguinte teor (transcrição parcial, no que ora releva):

“[…]

Dando cumprimento ao plasmado nos n.ºs 1 e 2 do art. 75.º-A da LTC, refere-se que o presente recurso versa sobre três questões concretas e objetivas, expostas nos parágrafos seguintes, a contender com a interpretação e dimensão normativa dos arts. 104.º, al. j), e 111.º, n.º 5, CEP bem como art. 80.º, n.º 1, do CP, e consequente ausência de preenchimento da infração bem como não computação do desconto na sanção final da medida cautelar:

[…]

[Transcrição das questões indicadas em 1.1. supra]

[…]

Tais questões foram validamente suscitadas na impugnação apresentada para o Venerando Tribunal de Execução de Penas de Coimbra (motivação a fls. 6 supra, 8 penúltimo parágrafo e 9 meio da página, e conclusões H. J e L), sendo que em sede de pedido de nulidade da douta sentença (desde logo por omissão de pronúncia) veio tal requerimento a ser julgado improcedente, por douto despacho datado de 1 de setembro de 2016.

Como fundamento do recurso aponta-se o entendimento sufragado na douta sentença recorrida (maxime no último parágrafo de fls. 3, penúltimo parágrafo de fls. 4 – na parte em que tem a comparência junto à portaria do EP como ‘já em meio prisional’ – e dois primeiros parágrafos de fls. 5), subsequente à impugnação judicial, na qual se conclui pela não verificação das inconstitucionalidades apontadas.

Tal decisão não se pronuncia pela inconstitucionalidade e continua a aplicar tal norma de forma literal, tendo por preenchido o tipo legal a redundar em condenação e negando a possibilidade de um efetivo desconto a evitar dupla punição e ne bis in idem, em violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e interpretação das leis, em nome de obediência pensante, sendo violadoras, desde logo, dos arts. 9.º CC e 1.º, 2.º, 13.º, 18.º, 26.º, 29.º, n.º 5, 32.º, n .ºs 1 e 10, 202.º, n.º 2, 203.º a 205.º e 219.º, n.º 1, da CRP, para além de diversas normas legais consagradas de tais direitos e princípios, sejam nacionais ou com consagração e assento em diversos textos de Direito internacional.

[…]”.

1.2.1. O recurso foi admitido no Tribunal de Execução de Penas.

1.3. Aqui – rectius, no Tribunal Constitucional – foi proferida decisão sumária, na qual se decidiu: (a) Não julgar inconstitucional a norma contida no n.º 5 do artigo 111.º do CEPMPL, interpretada no sentido em que, em caso de condenação em sanção de permanência obrigatória no alojamento ou internamento em cela disciplinar, não é de efetivar, na concreta sanção a aplicar, por analogia e à imagem do que sucede no art. 80.º, n.º 1, do Código Penal, o integral desconto do tempo da medida cautelar anteriormente cumprida no âmbito do mesmo processo; e (b) Não conhecer do objeto do recurso relativamente às demais questões suscitadas pelo Recorrente A..

1.3.1. Relativamente à questão enunciada no ponto “H.” do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional («da alínea j) do art. 104.º CEP segundo a qual comete a infração disciplinar plasmada na alínea j) do art. 104.º CEP o recluso que em gozo de licença de saída jurisdicional e sem dar entrada no estabelecimento prisional vem a ser intercetado pela Policia Judiciária e conduzido às suas instalações, vindo a apurar-se que transportava consigo certa quantidade de produto estupefaciente»), a fundamentação da decisão sumária foi a seguinte:

“[…]

2.1. Tenha-se presente, como ponto de partida, que o nosso sistema de controlo da constitucionalidade tem natureza normativa, incidindo a fiscalização sobre normas, estando excluída a apreciação pelo Tribunal Constitucional de recursos que questionem, mesmo que o façam numa perspetiva de conformidade a regras e princípios constitucionais, os concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros Tribunais. Julga este Tribunal, pois, na fase final de controlo concentrado que lhe está cometida, a desconformidade ou não desconformidade, face à Constituição, de normas jurídicas aplicadas no tribunal a quo.

O objeto normativo constitui, assim, a condição primordial do recurso de constitucionalidade. Não se trata, porém, da única condição. Com efeito, neste tipo de recursos, exige-se ainda a aplicação, na decisão recorrida, como ratio decidendi, da norma tida por inconstitucional pelo recorrente, na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no requerimento de recurso, que tenha constituído o critério jurídico da decisão.

2.2. À luz do que se expôs, lido o requerimento de interposição de recurso (cfr. item 1.2., supra), e considerando a posição assumida pelo Recorrente, no processo, verifica-se que as apontadas condições de admissibilidade não se mostram verificadas.

2.2.1. Relativamente à primeira das questões enunciadas – a inconstitucionalidade da norma contida na alínea j) do art. 104.º CEP, segundo a qual comete a infração disciplinar ali prevista o recluso que em gozo de licença de saída jurisdicional e sem dar entrada no estabelecimento prisional vem a ser intercetado pela Policia Judiciária e conduzido às suas instalações, vindo a apurar-se que transportava consigo certa quantidade de produto estupefaciente –, é patente que o Recorrente não suscitou, ao longo do processo (designadamente no requerimento de impugnação para o Tribunal de Execução de Penas e no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional) qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Pelo contrário, a suposta questão normativa reconduz-se, de forma por demais evidente, ao seu caso pessoal, expresso nos pormenores que o individualizaram, não apresentando qualquer vocação de generalidade ou aptidão a formar minimamente uma regra com alguma potencialidade de abstração.

Ora, a questão de inconstitucionalidade normativa não pode reconduzir-se ao enunciado das (micro) incidências de facto do caso concreto, sob pena de passar a assentar, na essência, num desacordo com o acerto da decisão no plano do direito infraconstitucional, sendo certo que, nas palavras do Acórdão n.º 79/06, ‘[…] o recurso de constitucionalidade nunca poderia versar sobre o ato de aplicação do direito’. E, como desenvolvidamente se expõe no Acórdão n.º 152/15:

“[…]

Constitui jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do...

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