Acórdão nº 362/16 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução08 de Junho de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 362/2016

Processo n.º 16/16

2ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A A., S.A., ora recorrente (adiante também referida como A.), impugnou junto do Tribunal Tributário de Lisboa o indeferimento da reclamação graciosa dos atos de liquidação de contribuições para a pensão de sobrevivência devidas à Caixa Geral de Aposentações, I.P., ora recorrida (adiante também referida como “CGA”), relativas aos meses de setembro a novembro de 2010. Invocou como fundamentos, na parte relevante para o presente processo, que as liquidações impugnadas enfermavam de vício de ilegalidade abstrata decorrente de as mesmas se fundarem em lei violadora dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, nomeadamente o artigo 6.º-A, n.º 2, alínea b), do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010). Por sentença de 21 de dezembro de 2012, aquele Tribunal julgou a impugnação improcedente e absolveu a CGA do pedido.

Inconformada, a impugnante recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul (Secção de Contencioso Tributário), que, por acórdão de 10 de setembro de 2015, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida, tanto na matéria de facto como na de direito.

No que se refere, em especial ao primeiro aspeto, o Tribunal Central Administrativo Sul não considerou como provadas diversas alegações respeitantes a factos que, segundo a recorrente, se revestiriam «de inequívoca pertinência para a boa decisão da causa, na medida em que permitem quantificar o esforço financeiro exigido à recorrente e, a essa luz, sindicar a exigência normativa dos 3,75% [do valor das remunerações pagas aos seus trabalhadores relativamente aos quais a ora recorrida seja responsável unicamente pelo encargo com pensões de sobrevivência] à luz dos princípios constitucionalmente consagrados da proporcionalidade e da igualdade» (cfr. as conclusões D., E. e F. das alegações produzidas no âmbito do recurso de apelação, a fls. 617). Estava em causa a alegação de que:

– Em virtude do saldo permanentemente deficitário do Fundo de Pensões do Pessoal da A./CGA, e para assegurar a sua existência e manutenção, a então apelante contribuía diretamente para o referido Fundo com um valor correspondente a uma média mensal de 25% da remuneração dos seus trabalhadores oriundos da CTT, E.P.;

– Que a apelante concorria para o mesmo Fundo de Pensões com contribuições extraordinárias para cobrir o défice de serviço passado e, bem assim, realizava contribuições adicionais relativas a aposentações antecipadas;

– Que a totalidade das contribuições para o mencionado Fundo de Pensões correspondeu a um esforço financeiro global médio de cerca de 87,6% da massa salarial dos trabalhadores em causa relativamente ao período de 1993 a 2007.

Quanto à invocada inconstitucionalidade do citado artigo 6.º-A, n.º 2, alínea b), do Estatuto da Aposentação por violação do princípio da proporcionalidade, entendeu-se no acórdão de 10 de setembro de 2015:

«[A] exigência da contribuição que aqui nos traz não pode deixar de ser considerada um meio adequado e necessário para a prossecução do interesse público de financiamento do sistema de proteção social, traduzindo a necessidade de dotar a “Caixa Geral de Aposentações, IP” de meios financeiros que lhe permita proceder ao pagamento destas pensões de sobrevivência.

E se é certo que [a] recorrente suporta os encargos com as pensões de aposentação destes trabalhadores, o mesmo não sucede com as pensões de sobrevivência. Pelo que, quando a lei lhe exige uma contribuição no valor de 3,75% nos moldes já enunciados, tal não implica qualquer desconsideração do seu esforço financeiro relativamente à proteção social dos trabalhadores, no que respeita às pensões de aposentação.

Por outro lado, também não procedem os argumentos convocados pel[a] apelante no que concerne à comparação da contribuição do empregador em matéria de sobrevivência no regime geral de segurança social, aplicável aos funcionários públicos que tenham iniciado funções a partir de 1 de Janeiro de 2006.

É que, novamente, confunde [a] recorrente situações distintas e que não são comparáveis, para efeito de se apreciar a desproporcionalidade da contribuição em causa, posto que o novo regime geral de segurança social não tem evidentemente aplicação aos funcionários oriundos da função pública, cujos direitos e obrigações se mantiveram inalterados com a constituição da sociedade recorrente.

Na verdade, a exigência de uma contribuição [à] recorrente nesta sede não é estranha à sua própria origem e à operação de reestruturação empresarial que levou à sua constituição, em que veio assumir todo o conjunto de direitos e obrigações da concessionária do serviço público de telecomunicações. E no âmbito da qual, os trabalhadores e pensionistas transferidos para os seus quadros mantiveram todos os direitos e obrigações de que eram anteriormente titulares, nos termos do artº. 3, do dec.lei 219/2000, de 9/9.

De todo o modo, como já se salientou, é à “Caixa Geral de Aposentações, IP” que cabe a responsabilidade relativa às pensões de sobrevivência, por referência aos trabalhadores oriundos da função pública.

E, estando em causa uma contribuição que se reporta a estas pensões, não se vislumbra que ocorra a invocada violação do princípio da proporcionalidade, ao fixar-se a sobredita contribuição d[a]recorrente nos moldes descritos supra […].»

E relativamente à invocada violação do princípio da igualdade, decidiu-se no mesmo aresto:

«No caso vertente, invoca [a] recorrente a desigualdade do tratamento legal que lhe é dado face aos demais agentes privados, os quais contribuem para a segurança social dos seus subordinados com uma percentagem de 23,75% da respetiva remuneração e invoca expressamente, como já assinalado, a situação de uma empresa de controlo público, que igualmente não é sujeita a contribuições tão elevadas como as suas.

Contudo, como resulta do percurso já feito, e que nem sequer é disputado pel[a] recorrente, a sua situação específica é bem diversa quer dos demais agentes privados, quer das empresas sob controlo público, como o caso dos CTT (empresa que, entretanto, já foi privatizada).

Reforce-se o que supra ficou já salientado, o princípio da igualdade tem um duplo conteúdo: a obrigação de assegurar tratamento igual a situações que sejam juridicamente iguais e a obrigação de dar tratamento diferenciado a situações que sejam juridicamente diferentes,

O que equivale a dizer que tal princípio se desenvolve em duas vertentes: a proibição da discriminação e a obrigação da diferenciação.

Assim, haverá que ter em consideração, por oposição aos demais agentes privados, que [a] apelante tem a seu cargo uma série de trabalhadores que se mantêm sujeitos ao regime do funcionalismo público, ao contrário daqueles.

Por outro lado, no que concerne à comparação com outras empresas de controlo público, já não se colocando a questão dos direitos adquiridos dos trabalhadores oriundos da função pública, posto que todos o continuam a ser, é evidentemente distinta a liberdade de atuação num e noutro caso, posto que [a] recorrente, apesar de concessionári[a] do serviço público de telecomunicações, é um ente privado, que prossegue fins privados, ao contrário daquelas que prosseguem fins públicos, e não se encontra sujeita ao controlo do Estado, a quem já nem sequer assiste o poder de veto relativamente a negócios que comprometam o interesse estratégico nacional, as extintas “golden share”.

Temos, pois, que o caso d[a] recorrente é único, como concessionári[a] do serviço público de telecomunicações, com funcionários a seu cargo aos quais é ainda aplicável o regime do funcionalismo público e, simultaneamente, uma das maiores entidades empresariais privadas portuguesa.

Pelo que, não sendo o seu caso comparável a qualquer outro, carece de sentido falar em violação do princípio da igualdade […]».

2. É deste acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Secção de Contencioso Tributário), de 10 de setembro de 2015, que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como “LTC”), para apreciação da norma do artigo 6.º-A, n.º 2, alínea b), do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de dezembro, na redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, na interpretação de que, para as entidades com pessoal relativamente ao qual a CGA seja responsável unicamente pelo encargo com pensões de sobrevivência, é devida uma contribuição de 3,75% da remuneração do respetivo pessoal sujeita a desconto de quota.

3. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, foi ordenada a produção de alegações.

No final das suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

«A. Até 2007 nunca fora exigido à RECORRENTE, na qualidade de entidade empregadora, o pagamento de quaisquer contribuições diretas para a Caixa Geral de Aposentações em matéria de aposentação ou de sobrevivência relativamente aos seus trabalhadores oriundos da CTT, EP.

B. Porém, através da Lei do Orçamento do Estado para 2007 (Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro), foi consagrada a obrigação segundo a qual, «para as entidades com pessoal relativamente ao qual a Caixa Geral de Aposentações seja responsável unicamente pelo encargo com pensões de sobrevivência, a contribuição é igual a 3,75% da remuneração do referido pessoal sujeita a desconto de quota», tendo uma tal obrigação contributiva sido...

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