Acórdão nº 824/17 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução12 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 824/2017

Processo n.º 1201/2017

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A., ora reclamante, viu deferido, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o pedido de extradição formulado pela República Federativa do Brasil. Inconformado, o extraditando recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão proferido em 7 de setembro de 2017, manteve a decisão que deferiu a sua extradição. De seguida, invocou a irregularidade daquele acórdão o que foi julgado improcedente, por acórdão de 28 de setembro de 2017.

2. Notificado deste acórdão, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante designada por LTC), do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 7 de setembro de 2017, identificando as seguintes questões como objeto do recurso:

a) Inconstitucionalidade da norma que resulta do artigo 57.º, n.º 2, da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, e do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, «na interpretação segundo a qual seria suficiente, para a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto mediante o devido exame crítico da prova produzia, a mera enumeração dos meios de prova que o Tribunal utilizou para formar a sua convicção, sem que fosse necessário proceder à explicitação do processo de formação desta convicção, para cada meio de prova e para cada facto que julga provado (ou não provado)»;

b) Inconstitucionalidade da norma que resulta do artigo 25.º, n.º 1, da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), assinada na Cidade da Praia em 23 de Novembro de 2005, «na interpretação segundo a qual o seu artigo 4.º, alínea a), é aplicável a pedidos de extradição baseados em factos praticados antes da entrada em vigor da Convenção da CPLP entre Portugal e o Brasil, formulados pelo Brasil e que tenham em vista a extradição de cidadão nacional, data em que vigorava a alínea a) do artigo 3.º do Tratado Bilateral de 1991, nos termos da qual era proibida a extradição de cidadãos nacionais entre Portugal e o Brasil». No desenvolvimento da formulação desta questão o recorrente sustenta ainda a inconstitucionalidade do artigo 16.º da Convenção das Nações Unidas «que tem sido invocada para dar cumprimento ao requisito constitucional do artigo 33.º, n.º 3, quando exige que o pedido de extradição de cidadãos nacionais respeite a criminalidade internacional organizada – no sentido de a mesma constituir em si fundamento para a aplicação da Convenção da CPLP a factos praticados em data anterior à sua entrada em vigor em Portugal e Brasil, com a consequente possibilidade de extradição de cidadãos nacionais, apesar de na mesma Convenção não se autorizar ou impor a extradição de cidadãos nacionais»;

c) Inconstitucionalidade da norma que resulta dos artigos 1.º e 4.º, alínea a), da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP e dos artigos 3.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária, «interpretada no sentido de que a proibição da extradição de cidadãos nacionais possa ser excecionada em termos distintos consoante o Extraditando seja português originário ou naturalizado, por importação da respetiva diferenciação, vigente num outro ordenamento, para assim se dar por cumprida a exigência de reciprocidade»;

d) Inconstitucionalidade da norma que resulta do artigo 1.º e 4.º, alínea a), da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP e dos artigos 6.º, alínea a), 32.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea c), da Lei de Cooperação Judiciária, «interpretada no sentido de que um cidadão nacional possa ser extraditado para uma jurisdição onde se permite a intervenção no julgamento do juiz que presidiu à fase de inquérito e decretou a prisão preventiva do arguido, com fundamento na formulação de juízos sobre a sua responsabilidade, sem que tal viole a garantia de um processo justo e equitativo»;

e) Inconstitucionalidade da norma que resulta do artigo 1.º e 3.º, n.º 1, alínea e) da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, e dos artigos 6.º, alínea a) e alínea d) e 32.º, alínea b), e n.º 2, alínea c), da Lei de Cooperação Judiciária, «interpretada no sentido de que um cidadão nacional possa ser extraditado para uma jurisdição onde será julgado por um Tribunal incompetente, ao abrigo das normas internas que definem a competência de forma geral e abstrata, funcionando atém do mais como um verdadeiro tribunal de exceção, sem que tal viole a garantia de um processo justo e equitativo»;

f) Inconstitucionalidade da norma que resulta dos artigos 1.º e 6.º, n.º 1, da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da CPLP, e dos artigos 16.º, n.º 2 e n.º 3 e 44.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Cooperação Judiciária, «interpretada no sentido de que um cidadão nacional possa ser extraditado para uma jurisdição sem que esteja garantido o cumprimento do princípio da especialidade».

3. Pela Decisão Sumária n.º 679/2017 (cfr. fls. 2109-2115 dos autos) decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:

«4. In casu, profere-se decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do artigo 78.º-A da LTC, por não preenchimento dos pressupostos do recurso de constitucionalidade.

Com efeito, o não preenchimento de um requisito compromete definitivamente o prosseguimento do presente recurso, desde logo, no que respeita às questões enunciadas em a) e b), por ausência de objeto normativo.

No que concerne, por sua vez, às questões identificadas em c), d) e) e f), é patente a falta de aplicação como ratio decidendi da decisão recorrida dos enunciados interpretativos formulados pelo recorrente.

5. Apreciemos a ausência de objeto normativo relativamente às questões supra enunciadas em a) e b).

No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente normativa, não contemplando a apreciação da conformidade constitucional da decisão judicialmente proferida. O recurso de constitucionalidade delineado pela Constituição não prevê o “recurso de amparo” ou “queixa constitucional”. Em conformidade, os recursos de constitucionalidade interpostos de decisões de outros tribunais apenas podem ter por objeto “interpretações” ou “critérios normativos” identificados com caráter de generalidade e, nessa medida, suscetíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto. Ora, tal não ocorre quanto às questões formuladas em a) e b).

Na verdade, as questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente em a) e b) não assumem, desde logo, caráter normativo, evidenciando antes que se pretende sindicar a própria decisão recorrida e não qualquer norma ou interpretação normativa que constitua fundamento jurídico do julgado. Apesar da sua aparente formulação geral e abstrata, em nenhuma das questões acima transcritas, que constituem o objeto do recurso, está verdadeiramente em causa matéria configurável como interpretação de qualquer dos preceitos legais indicados, mas antes o que efetivamente se decidiu no caso concreto, como de seguida se especificará.

No que se reporta à questão enunciada em a), quando o recorrente indica que tem em vista a apreciação da constitucionalidade da interpretação do artigo 57.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária e do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, “segundo a qual seria suficiente, para a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto mediante o devido exame crítico da prova produzia, a mera enumeração dos meios de prova que o Tribunal utilizou para formar a sua convicção, sem que fosse necessário proceder à explicitarão do processo de formação desta convicção, para cada meio de prova e para cada facto que julga provado (ou não provado)”, o que pretende é colocar em causa a correção da própria decisão recorrida, na expectativa de que o Tribunal Constitucional reavalie se a motivação da matéria de facto apresentada na decisão de extradição foi correta e suficiente, como foi entendimento do tribunal recorrido. Com efeito, o tribunal recorrido considerando “a natureza especial do processo em causa” e que “somente os factos suscetíveis de prova justificam uma motivação de forma a aquilatar da legitimidade do processo mental que levou à decisão”, concluiu que houve motivação clara e adequada à situação caracterizada pela particularidade de a matéria em causa dizer respeito às “condições pessoais de vida passada e presente” do extraditando e, em consequência, indeferiu a nulidade arguida pelo recorrente, fundada na invocação da falta de exame crítico das provas. A questão colocada, evidenciando discordância relativamente ao decidido, traduz, na verdade, a pretensão de revisão do próprio ato de julgamento (no caso, o julgamento do recurso interposto da decisão que decretou a sua extradição). Ora, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente sublinhado, o recurso de constitucionalidade é um instrumento de fiscalização da constitucionalidade das leis, ou das interpretações que os tribunais, fazendo operar os critérios que regem o processo hermenêutico, delas extraem, e não um acrescido meio de sindicância do mérito do julgado, ainda que por intermédio de parâmetros constitucionais de apreciação.

Quanto à questão formulada em b), o recorrente identifica-a como correspondendo à inconstitucionalidade da interpretação que o acórdão...

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