Acórdão nº 34/18 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução31 de Janeiro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 34/2018

Processo n.º 540/2017

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida a A., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), em 11 de abril de 2017, da sentença proferida por aquele Tribunal, em 27 de março de 2017, que recusou, com fundamento em violação do princípio constitucional da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, a aplicação do Regulamento da Taxa Municipal de Proteção Civil de Setúbal (em seguida, «RTMPC de Setúbal») e, em consequência, julgou procedente o pedido de condenação do Município de Setúbal a proceder ao pagamento das quantias respeitantes às taxas referentes a setembro e outubro de 2012 anuladas em sede de impugnação judicial, no valor de € 4 434, 25, que haviam sido liquidadas pela aqui recorrida.

2. Através do recurso interposto, pretende-se que este Tribunal aprecie a questão que decorre do excerto da decisão recorrida que seguidamente se transcreve:

«A) DA NATUREZA JURÍDICA DO TRIBUTO LIQUIDADO

Como fundamento da presente impugnação, alega a impugnante que não nos encontramos perante uma verdadeira taxa uma vez que lhe falta o indispensável nexo sinalagmático, estando antes perante um imposto. Mais aduzindo que, a virtualidade de afirmar a existência da bilateralidade do tributo em causa só sena possível se a esse benefício correspondesse alguma atividade administrativa ou custo ex novo para a Autarquia, o que não se verifica.

Pelo que, à luz da sua edição municipal, por violação inequívoca do princípio da legalidade tributária (cfr. artigos 103.°, n.º 2 e 165.°, n.º 1 alínea i), da Constituição da República Portuguesa), a criação, liquidação e cobrança de tal (tributo traduz-se num juízo de inconstitucionalidade orgânica.

Ao invés, por a considerar uma verdadeira taxa, perfilha a Entidade Impugnada que o juízo pertinente, sobre a questão ora controvertida, será o da não inconstitucionalidade, em virtude de o tributo em questão encontrar, formalmente, total amparo na Lei n.º 53-E/2006, de 29.12, em especial na alínea f) do n.º 1 do respetivo artigo 6.º.

A questão suscitada reconduz-se, assim, de uma ótica jurídica, à temática da destrinça entre taxa e imposto. Vejamos pois.

Nos seus traços gerais, constitui entendimento pacífico na doutrina a ideia que as taxas constituem prestações pecuniárias, coativas e bilaterais, exigidas a favor de entidades que exercem funções ou tarefas públicas em prol de beneficiários ou causadores de específicos serviços públicos para a realização das referidas funções ou tarefas, desde que as mesmas não assumam cariz sancionatório (v.g., neste sentido, José Casalta Nabais, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3994, Coimbra Editora, 2015, setembro - outubro, 20, pp. 25-45).

Tomando esta definição como ponto de partida, em comum com os impostos locais, as taxas devidas às autarquias possuem a nota da coatividade, constituindo obrigações ex lege, que se formam pelo mero preenchimento de um pressuposto legal. Porém, diversamente dos impostos locais, as taxas devidas às autarquias caracterizam-se pela sua natureza comutativa ou bilateral, a qual manifesta-se, antes do mais, no seu pressuposto constitutivo composto por uma prestação das autarquias efetivamente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo (Sérgio Vasques, Regime das Taxas Locais - introdução e Comentário, in Cadernos do Instituto de Direito Financeiro Económico e Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa, n.º 8, Almedina, página 84; sublinhado nosso).

Assim sendo, legalmente, o pressuposto constitutivo que fundamenta o aparecimento da taxa consistente na prestação de um serviço ou de uma atividade pública, na utilização de bens do domínio público e/ou na remoção de um Limite jurídico à atividade dos particulares [cfr. artigo 4.°, n.°s 1 e 2, da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 3.° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 53-E12006, de 29.12 (RGTAL)].

Nesta sequência, vemos que, o que caracteriza definitivamente a taxa em face do imposto, consiste no caráter sinalagmático ou bilateral daquela - por oposição ao cariz unilateral ou não sinalagmático deste -, na medida em que a taxa não se basta com a existência de uma contrapartida jurídica de caráter genérico, dependendo a sua verificação da necessária satisfação de uma contraprestação individual pelo devedor (cfr., a este respeito, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 19.01.1994, in Acórdãos Doutrinais, n.º 396, pp. 1412 e seguintes, e de 02.05.1996, in Acórdãos Doutrinais, n.º 420, pp. 1420 e seguintes; Soares Martinez, in Direito Fiscal, 8. edição, Almedina, 1996, pp. 35 a 37; J. L. Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3a edição, 2OO7, pp. 30 e seguintes e, ainda, Diogo Leite de Campos e Outros, in Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4a Edição, 2012, página 85).

Em suma, conforme ilustrado por Nuno Sá Gomes, in Manual de Direito Fiscal, volume l, página 76: “a única característica distintiva das taxas em face ao imposto não está na utilidade, nem na voluntariedade nem na solicitação dos serviços pelos particulares, mas apenas no caráter sinalagmático das primeiras em termos de equivalência jurídica, mas não também económica, da prestação devida” (negrito nosso).

Termos estes em que, a taxa é bilateral no sentido de sinalagmática. Ou seja, supõe contrapartida prestacional administrativa específica - inexistente no imposto -, que se traduza em vantagem autónoma e individualizada, exigível pelo particular responsável pelo pagamento da taxa, a qual há de ter um caráter substancial ou material e não meramente formal (neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.10.2014, in processo n.º 0221/12; sobre a natureza concreta da prestação do serviço público veja-se, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.11.201l, in processo n.º 0363/11, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

*

No que concerne ao respetivo regime jurídico-constitucional, a criação dos impostos obedece à reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, porquanto, como é sabido, o princípio constitucional da Legalidade fiscal impõe, que a disciplina jurídica dos elementos essenciais de cada imposto - isto é, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes -, conste de Lei parlamentar ou de decreto-Lei parlamentarmente autorizado (cfr. artigos 165.°, n.º 1 alínea i), e 103.°, n.º 2, da CRP). Ao passo que tal, de todo, não se verifica em sede do princípio da Legalidade das taxas, pois, em relação a estas, o que constitucionalmente se exige ao Parlamento - após a revisão constitucional de 1997 -, é tão- somente o estabelecimento do seu regime geral, não tendo este último, por conseguinte, de intervir relativamente a cada taxa, cuja criação e disciplina cabe inteiramente aos órgãos legalmente competentes, por meio de ato Legislativo ou pela via regulamentar como sucede no caso das Autarquias Locais, desde que respeitado o referido regime geral.

Sucede, porém, que, a validação constitucional de um qualquer tributo não depende apenas do requisito de forma do princípio da Legalidade, dependendo ainda de requisitos de substância do qual o mais importante será, seguramente, o princípio da igualdade (cfr. artigo 13.° da CRP), sendo que a manifestação máxima que este princípio assume, quando projetado no domínio concreto das taxas é, necessariamente, o da equivalência jurídica, desenvolvido no artigo 4.° da Lei n.º 53-E/2006, de 29.12 (doravante, o RGTAL).

Com efeito, precisamente porque decorre diretamente do artigo 13.° da Constituição, o «princípio da equivalência» surge, de modo evidente, como o critério naturalmente adequado [justo e igualitário] à repartição das taxas, que não se mostra necessária a sua consagração constitucional explícita para que ele se imponha ao Legislador ordinário e à administração no exercício do seu poder regulamentar (Sérgio Vasques, obra citada, página 35; sobre o princípio da equivalência, veja-se ainda Carlos Lobo, in Reflexões sobre a Necessária Equivalência Económica das Taxas, Coimbra, 2006).

Desta forma, a mais importante nota que a administração Local deve observar, aquando da conceção dos seus Regulamentos, é a de verificar e assegurar que as taxas que criam possuem estrutura e montante que sejam condizentes com o princípio da equivalência e que possam passar, como tal, no teste da igualdade.

No plano infraconstitucional, a Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15.01 (LFL), inscreve as taxas entre as receitas próprias das Autarquias e fixa alguns princípios orientadores a que a sua criação há de estar subordinada, em tudo o mais remetendo para o RGTAL (entrado em vigor em 01.01.2009).

É assim que, de acordo com o artigo 15.º da LFL, os municípios e as freguesias possuem o poder de criar taxas, em obediência ao RGTAL (n.º 1), e com respeito pelos princípios da equivalência jurídica e da justa repartição dos encargos públicos (n.º 2). Tais princípios, enunciados no artigo 15.° da LFL e desenvolvidos no RGTAL, são estruturantes de todas as taxas municipais, devendo os municípios observá-Los em toda e qualquer circunstância, pelo que se revela indispensável conhecê-Los em profundidade. O que se fará de seguida.

Nesta sequência, sob a epígrafe Princípio da...

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