Acórdão nº 210/17 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 210/2017

Processo n.º 89/2017

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 23 de novembro de 2016.

2. Pela Decisão Sumária n.º 112/2017, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição da República Portuguesa, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

O recorrente articula nestes termos o objeto do recurso de constitucionalidade: «Na verdade, um cidadão (informador/colaborador) da policia que acorda com suspeitos desenvolver diligências de prova – garantindo-lhes que a droga passaria no aeroporto sem ser fiscalizada pelas autoridades, o que, de resto veio a acontecer, que vai receber o correio de droga ao aeroporto, a fim de dar mais credibilidade à sua ação, o que veio a acontecer, tendo a policia permitido que o colaborador abandonasse o local (aeroporto) e só depois avançasse para as detenções dos suspeitos – no âmbito de um processo-crime só o poderá fazer a coberto de uma ação encoberta. (…) Uma interpretação do artigo 126º, nºs 1, 2 e 3 do CPP que não imponha que a ação desenvolvida por um informador/colaborador, que acorda com suspeitos a passagem de droga pelo aeroporto sem a fiscalização das autoridades, se desenvolva no âmbito de uma ação encoberta (Lei 101/2001, de 25/8) inquina de inconstitucionalidade material aquela norma jurídica por violar o estatuído no artigo 32, nºs 1 e 8 da Constituição da República Portuguesa». Por outras palavras, está em causa saber se os concretos factos que consubstanciam a «ação desenvolvida por um informador/colaborador» caem ou não no âmbito de aplicação do regime dos métodos proibidos de prova, previsto no artigo 126º do Código de Processo Penal, e não da existência de qualquer inconstitucionalidade que afete tal preceito legal. Daí que o recorrente conclua, mais à frente, que uma tal ação de um informador/colaborador deve ser considerada enganosa e, por isso, cai na alçada do artigo 126º, isto é, deve ser considerada método proibido de prova.

Tal forma de colocar a questão demonstra que aquilo que o recorrente pretende é sindicar a própria decisão judicial – designadamente quanto a saber se aquela concreta ação, com os seus contornos específicos, é ou não subsumível a alguma das situações previstas nos diversos números do artigo 126.º do Código de Processo Penal (que, aliás, o recorrente refere em bloco, isto é, de forma imprecisa e ambígua) – e não qualquer norma legal por ela aplicada, designadamente norma extraída do artigo 126.º do Código de Processo Penal.

A conclusão do recorrente de que a situação de facto que descreve cai na alçada do artigo 126.º implica o juízo de que tal norma está em consonância com a Constituição, sendo justamente a situação inversa que justifica o recurso para o Tribunal Constitucional: «se se utiliza uma argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico infraconstitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e este é desconforme com o Diploma Básico. Efetivamente, se um preceito da lei ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que esgrimir com a violação desse preceito, representa uma ótica de acordo com a qual ele se mostra consonante com a Constituição» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 489/04).

Ao Tribunal Constitucional não cabe controlar a bondade da interpretação que os demais tribunais fazem da lei ordinária ou a escolha dos preceitos que consideram aplicáveis a uma determinada questão jurídica. Assim é porque a jurisdição constitucional tem a sua razão de ser na especialidade dos problemas que se lhe colocam, e que dizem respeito à interpretação de uma lei diferente das outras — a lei constitucional — e à realização de uma justiça diferente das outras – sobre normas. A interpretação e aplicação das leis ordinárias a litígios é o domínio próprio e exclusivo dos tribunais comuns.

6. O recorrente pretende ainda a apreciação da constitucionalidade de duas normas extraídas dos artigos 174.º, n.º 5, alínea c) e 177.º, n.º 3, alínea a), ambos do Código de Processo Penal.

A primeira nos termos da qual «uma interpretação que legitime a realização de uma busca no caso de o arguido ter sido detido em flagrante delito e a busca ter sido realizada dali a mais de 2 horas inquina de inconstitucionalidade material as normas constantes dos artigos 174º, nº5, al. c) e 177º, nº3, al. a) ambos do Código de Processo Penal por violação dos artigos 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa

A segunda com o seguinte sentido: «a interpretação das aludidas normas jurídicas quando o flagrante delito ocorrer num determinado espaço (no caso concreto o aeroporto Francisco Sá Carneiro) e a realização das buscas ocorrerem em espaços, que distam a vários quilómetros do local da detenção (no caso concreto em Gondomar e no Porto)

Contudo, também aqui o recurso não assume uma verdadeira natureza normativa, já que as supostas normas enunciadas pelo recorrente escondem apenas a pretensão de sindicar a própria decisão recorrida. Com efeito, as formulações apresentadas pelo recorrente não consistem em enunciados normativos reportados a tais disposições legais, mas antes a descrições das particularidades do caso concreto que foi julgado. Veja-se a referência às distâncias quilométricas entre o local da detenção e o local onde terão sido realizadas buscas domiciliárias, bem como a referência aproximada a intervalos horários entre ambos os momentos, as quais introduzem uma índole particularista nas questões, tornando-as indissociáveis do caso concreto.

Também neste caso, o verdadeiro vício que o recorrente aponta – e no qual faz radicar a inconstitucionalidade – é o facto de uma tal realidade, com os seus concretos contornos cronológicos e geográficos, ter sido juridicamente qualificada como uma situação de flagrante delito, assim permitindo o desencadear de consequências jurídicas que dessa qualificação dependem, designadamente a realização de buscas domiciliárias.

Mas essa não é uma efetiva questão de constitucionalidade normativa, mas sim de eventual violação ou errada interpretação de preceitos e/ou conceitos legais. E dessa matéria não cuida o Tribunal Constitucional no âmbito do presente recurso, pelos motivos já supra apontados.

7. O recorrente pretende ainda a apreciação da constitucionalidade da seguinte norma: «Uma interpretação das normas constantes dos artigos 11º e 15º da Lei nº109/2009, de 15/09 que permitam acesso, com autorização do Ministério Público, aos elementos constantes do computador inquina de inconstitucionalidade as referidas normas por contenderem com o estatuído no artigo 34º da CRP», acrescentando ainda que «as referidas normas são inconstitucionais por não exigirem que seja um juiz a ordenar previamente o acesso aos dados contidos num computador, designadamente tratando-se de mensagens de correio eletrónico».

De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Suscitação que há de ter ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º, n.º 2, da LTC).

No caso vertente – e no que à presente norma concerne - não se pode dar como verificado tal requisito.

Com efeito, na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – e que retoma no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – o recorrente reporta a norma cuja constitucionalidade contesta aos artigos 11º e 15º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro.

Sucede, porém, que tal suscitação não pode ser considerada processualmente adequada. Os invocados artigos 11º e 15º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro abarcam e regulam realidades bastante diversas, sendo certo que cada um tem diversos números e alíneas, afigurando-se dificilmente configurável que todas elas tenham sido aplicadas no caso concreto, ou sequer que nelas se defina qual a autoridade judiciária competente para a autorização da obtenção de determinados «elementos constantes do computador».

Por outro lado, a referência no enunciado do recorrente a «elementos constantes de computador» como a categoria de objetos de que dependeria a definição da autoridade judiciária com competência para autorizar a sua obtenção é excessivamente vaga e indeterminada, na medida em que se traduz no recurso a um conceito de amplitude sem limites...

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