Acórdão nº 658/18 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução12 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 658/2018

Processo n.º 983/17

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorridos B. e o Ministério Público, o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 21 de março de 2017 que, confirmando nessa parte decisão proferida em 1.ª instância, condenou o arguido em pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução, e declarou a perda do seu mandato como Presidente da Câmara Municipal de …, pela prática de crime de prevaricação. O recorrente interpõe ainda recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora no dia 6 de junho de 2017 que indeferiu nulidades por si arguidas relativamente à decisão condenatória acima indicada.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta, para o que aqui releva, o seguinte conteúdo:

«i. POR REFERÊNCIA AO ACÓRDÃO PROFERIDO EM 21.03.2017

A. NORMAS CUJA INCONSTITUCIONALIDADE SE PRETENDE QUE O TRIBUNAL APRECIE E PEÇAS PROCESSUAIS EM QUE O RECORRENTE SUSCITOU A INCONSTITUCIONALIDADE

25. A norma aplicada no Acórdão proferido em 21.03.2017 pelo Tribunal da Relação de Évora, cuja inconstitucionalidade o Recorrente, para efeitos do disposto no artigo 72.º, n.º 2 da Lei n.º 28/82, 15 de novembro, suscitou expressamente nas motivações do seu Recurso interposto em 05.09.2016, é a constante do artigo 29.º, alínea f) da Lei 34/87, de 16 de julho, que prevê a perda do respetivo mandato como efeito da condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das funções de membro de órgão representativo de autarquia local.

B. NORMAS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE SE CONSIDERAM VIOLADOS

26. Defendeu o Recorrente em sede do referido Recurso que o artigo 29.º, alínea f) da Lei 34/87, de 16 de julho, é inconstitucional por violar o artigo 30.º, n.º 4 da CRP, o qual estabelece que «Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos» (sublinhado nosso).

27. Conforme se deixou exposto no Recurso:

«(…) enquanto a norma constitucional veda totalmente que a aplicação de uma pena criminal tenha como efeito necessário (automático) a perda de direitos políticos, a norma legal da alínea f) do artigo 29.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, prevê, precisamente, o oposto: a perda de mandato necessária/automática, por mera decorrência da aplicação de uma pena aos membros de órgãos representativos das autarquias locais.

Tal norma legal, ao permitir e impor que a aplicação de uma pena criminal – ainda que suspensa na sua execução – implique, necessariamente, a perda do mandato de Presidente da Câmara Municipal, por parte de uma pessoa (o Arguido) que foi sufragado democraticamente e que tem, portanto, o direito político a exercer tal cargo, viola expressamente o n.º 4 do artigo 30.º da Lei Fundamental que veda, expressis verbis, que uma pena possa ter como efeito necessário a perda de um direito político, sendo, por isso, uma norma inconstitucional.

Por violar a Constituição, deveria tal norma ter sido desaplicada pelo Tribunal a quo, que, consequentemente, não poderia assim ter condenado o Arguido à perda automática de mandato, por ter procedido, contra o disposto no artigo 204.º da Constituição, à aplicação de uma norma que viola o disposto na Lei Fundamental».

28. Tendo, ademais, defendido o Recorrente no Recurso em causa que:

«(…) se é certo que, por força da credencial constitucional do n.º 3 do artigo 117.º da Constitucional, o legislador está habilitado a prever a perda de mandato como consequência da prática de um crime de responsabilidade de titular de cargo político, certo é também que o artigo 30.º, n.º 4 da (mesma) Lei Fundamental veda que essa consequência decorra de modo “necessário” ou automático da aplicação da pena criminal, o que – em flagrante contradição com a Constituição – é permitido pelo artigo 29.º, alínea f) da Lei n.º 34/87, que, por esse motivo, é, como vimos, inconstitucional. (…)

Assim, a única interpretação juridicamente válida será a de considerar que, ainda que a lei possa prever a perda de mandato como uma sanção possível para um crime cometido por um titular de um órgão político, tal nunca poderá ser uma decorrência “necessária” da pena criminal, carecendo, assim, para operar essa perda, de um processo onde se analise – não os pressupostos da punibilidade criminal, alvo do processo penal de aplicação de pena – mas antes, e apenas, os pressupostos aplicativos da pena de perda de mandato que, de acordo com o artigo 30.º, n.º 4 da Constituição, não pode ocorrer de modo necessário ou automático».

29. Por outro lado, arguiu também o Recorrente no seu Recurso que o caráter automático da pena da perda de mandato, por decorrência da aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, viola o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da CRP, por ser uma consequência manifestamente excessiva e desrazoável.

30. Conforme defendido naquela peça processual:

«(…) se o Tribunal considerou que se verificavam os pressupostos que ditaram que a pena principal fosse suspensa na sua execução, permitindo, por isso, que o Arguido permanecesse em liberdade, será manifestamente excessivo que, por efeito automático dessa pena que não o priva da liberdade (e lhe permitira, por isso, que continuasse a desempenhar as suas funções de Presidente da Câmara) seja decretada, de modo irreversível, a perda do mandato que lhe foi democraticamente conferido e que poderia continuar a ser, sem qualquer impedimento, cabalmente exercido pelo Arguido por estar em liberdade.

Assim, a vingar a interpretação normativa segundo a qual a perda de mandato é efeito necessário e automático da aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, sempre a mesma será inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição (e ainda no artigo 266.º da mesma Lei), por ser uma consequência manifestamente excessiva, desrazoável e inaceitável à luz dos ditames da proteção da liberdade e da autonomia individual (cfr. artigo 27.º, n.º 1 da Constituição) (…)».

31. Atento o exposto no Recurso apresentado em 05.09.2016, as normas que o Recorrente considera terem sido violadas são, assim, os artigos 18.º, n.º 2, 27.º, n.º 1, 30.º, n.º 4 e 266.º da CRP.

ii. POR REFERÊNCIA AO ACÓRDÃO PROFERIDO EM 06.06.2017

C. NORMAS CUJA INCONSTITUCIONALIDADE SE PRETENDE QUE O TRIBUNAL APRECIE E PEÇAS PROCESSUAIS EM QUE O RECORRENTE SUSCITOU A INCONSTITUCIONALIDADE

32. As normas aplicadas no Acórdão proferido em 06.06.2017 pelo Tribunal da Relação de Évora, cuja interpretação e aplicação ao caso concreto o Recorrente entende inconstitucional – tendo suscitado expressamente tais inconstitucionalidades no seu requerimento apresentado em 06.04.2017, para efeitos do disposto no artigo 72.º, n.º 2 da Lei n.º 28/82, 15 de novembro – são as seguintes:

(i) Artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do CPP, quando interpretado no sentido de que na apreciação de contradição insanável da fundamentação da decisão recorrida é possível ao Tribunal ad quem fazer apelo ou alicerçar a sua argumentação em factos que não se mostram julgados como provados, ou seja, a factos estranhos à matéria de facto julgada assente;

(ii) Artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea a), 410.º, n.º 2, alínea b) e 425.º, n.º 4 do CPP, quando interpretados no sentido de que para a apreciação da invocada contradição insanável da fundamentação da decisão recorrida é desnecessária a reescrita ou reformulação dos factos provados, quando o próprio Tribunal da Relação, para conhecer da invocada contradição tenha alterado a matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância; e

(iii) Artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea a) e 425.º, n.º 4 do CPP, quando interpretados no sentido de que a omissão de fundamentação da decisão condenatória em custas criminais não constitui nulidade.

D. NORMAS OU PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE SE CONSIDERAM VIOLADOS

33. Entende o Recorrente que o artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do CPP é inconstitucional quando interpretado no sentido de que na apreciação de contradição insanável da fundamentação da decisão recorrida, é possível ao Tribunal ad quem fazer apelo a factos que não se mostram julgados como provados (ou não provados), porquanto – e conforme explanado no Requerimento de arguição de nulidades e inconstitucionalidades, apresentado pelo ora Recorrente em 06.04.2017 –:

«(…) Tal solução – materialmente inconstitucional – colide frontalmente com os direitos de defesa do Arguido, mormente com os princípios do acusatório e da vinculação temática que, em recurso, proíbem aos Tribunais apreciar e pronunciar-se sobre as questões invocadas apelando a factos estranhos à matéria de facto julgada assente, violando assim, nomeadamente, os artigos 32.º, n.ºs 1 e 5 e 205, n.ºs 1 e 2, da CRP».

34. Conforme se argumentou no início de tal peça processual,

«(…) decorre com meridiana clareza do Acórdão impugnado que o mesmo se serviu de factos inexistentes para resolver a questão da contradição insanável da Sentença do Tribunal a quo.

Dizemos inexistentes pois que os mesmos não constam do rol de factos julgados provados pelo Tribunal a quo, nem da respetiva fundamentação, não podendo, por conseguinte, servir de alicerce à decisão tomada pelo Tribunal de recurso.

Na verdade, não consta em lado algum da Sentença recorrida que o pagamento da 2prestação à recorrida B. devia ocorrer, “em princípio”, em...

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