Acórdão nº 608/17 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução03 de Outubro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 608/2017

Processo n.º 419/16

1.ª Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

A. intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ação administrativa com processo ordinário contra Estradas de Portugal, EPE, pedindo a condenação desta a pagar-lhe €100.207,50, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, desde a citação da ré até integral pagamento.

Alegou, como causa de pedir, em síntese, que é dona de um prédio misto, rústico e urbano, com a área de 9000m2, que constitui zona industrial, de acordo com o plano diretor municipal de Vila do Conde. A norte do referido prédio foi construída uma auto-estrada (A7/IC25 – Póvoa do Varzim/Famalicão), por concessão atribuída pelo extinto Instituto de Estrada de Portugal, a que a ré sucedeu, tendo-se constituído, por efeito disso, uma servidão non aedificandi sobre o referido prédio, que abrange uma área de 2.873 m2. No mesmo prédio tem instalado um edifício de exploração fabril, sendo a área remanescente do prédio «a zona da sua natural expansão que se pretendia levar a cabo, nomeadamente para apoio com a construção de refeitórios, sanitários ou outras». Por efeito da referida servidão, o prédio de que é proprietária, ficando privado da sua aptidão construtiva, na área onerada, perdeu valor económico, sendo-lhe, pois, devida uma indemnização que a compense do correspondente prejuízo, nos termos das normas conjugadas dos artigos 8.º, n.º 3, e 26.º do Código das Expropriações (CE), aplicável, como peticionado.

A ré contestou, defendendo-se por exceção e impugnação, e a autora, em resposta, replicou. Sustentou a ré, além do mais, que, ainda que a autora viesse a provar os factos que alega, não estariam preenchidos os pressupostos de que depende, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do CE, aplicável, a obrigação de indemnizar pela constituição de servidões. Também por isso deve a ação improceder, conclui.

Após a audiência de julgamento, veio a ser proferida, em 26 de julho de 2015, sentença que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido. Considerou o Tribunal, para assim decidir, em síntese, que os factos provados não preenchiam, nem os pressupostos do artigo 8.º, n.º 2, da CE, norma que especificamente regula a indemnização devida pela constituição de servidões administrativas, nem a previsão do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 1967, julgada aplicável, pois que a servidão non aedificandi em discussão nos autos não provocou à autora um prejuízo efetivo, «especial» e «anormal», que é condição de que depende, nos termos deste último diploma legal, a responsabilidade civil do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos administrativos legais praticados no interesse geral.

A autora, inconformada, recorreu dessa decisão judicial para o Tribunal Central Administrativo do Norte, tendo suscitado nas alegações do recurso a questão da inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 2, do CE, «interpretado no sentido de que não confere direito a indemnização a constituição de uma servidão ‘non aedificandi’, de proteção a uma auto-estrada que incinda sobra a parte sobrante de um prédio, quando essa parcela fosse classificável como solo apto para a construção anteriormente à constituição da servidão». A este propósito, pugnou especificamente pela aplicação do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional, em relação à mesma norma legal, nos seus Acórdãos nºs. 612/2009 (ter-se-á devido a lapso a referência ao Acórdão n.º 612/1999, que não tem correspondência temática com a matéria em apreciação) e 331/1999, por violação do n.º 1 do artigo 13.º e do n.º 2 do artigo 62.º, ambos da Constituição.

O Tribunal Central Administrativo Norte, por Acórdão de 18 de março de 2016, negou provimento ao recurso, invocando, no que respeita à questão de inconstitucionalidade, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 525/2011, que decidiu julgar não inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 2, do CE.

A autora interpôs desse acórdão recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), por ter sido aplicado ao caso «o art.º 8º nº 2 do CE, cuja inconstitucionalidade havia sido suscitada nas alegações de recurso», por violação dos artigos 62.º e 13.º da Constituição, pois nega ao proprietário de um terreno onerado com uma servidão non aedificandi o direito à justa indemnização da perda de valor do terreno sofrida por efeito da privação da sua capacidade construtiva, como sucedeu nos autos.

O Tribunal recorrido admitiu o recurso.

Subidos os autos ao Tribunal Constitucional, esclareceu o recorrente, para tanto convidado pelo relator, que o recurso tem por objeto a norma do artigo 8.º, n.º 2, do CE, «no entendimento de que a indemnização só pode ter lugar nos limites dessa disposição, ainda que aplicável a atos de natureza expropriativa ou similar».

Os autos prosseguiram com a apresentação de alegações do recorrente, em que se conclui:

«1. A questão da indemnizabilidade das servidões fixadas diretamente pela lei, nomeadamente no caso das servidões ‘non aedificandi’ tem sofrido uma significativa evolução histórica, doutrinária e jurisprudencial.

2. O Código das Expropriações, nas suas versões de 1976, 1991 e 1999, consagraram regimes restritivos para o pagamento das indemnizações devidas pela instituição de servidões ‘non aedificandi’ que foram, sem exceção, julgados como inconstitucionais, o que provocou sucessivas alterações legislativas até à publicação da lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, que, finalmente, consagrou a indemnizabilidade das servidões constituídas.

3. A Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo traduz, como norma infraconstitucional, os princípios de igualdade, proporcionalidade e defesa da propriedade privada, que se encontram na Constituição.

4. O direito à edificação, que assiste à recorrente, já foi exercido de forma plena, em momento anterior ao da servidão ‘non aedificandi’, encontra-se, por isso, já integralmente formado na esfera jurídica da mesma e, por força da servidão, foi, irremediavelmente, coarctado.

5. E o exercício desse direito seria uma mera ampliação do direito já constituído e não um exercício provável do mesmo.

6. Qualquer exercício futuro do direito de propriedade da recorrente sobre o prédio encontra-se seriamente prejudicado pela existência da servidão ‘non aedificandi’ o que impede qualquer utilização futura do terreno, na vertente para o qual foi projetado, traduzindo significativo prejuízo económico para a recorrente.

7. Viola a Constituição, nomeadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da tutela da propriedade privada, a interpretação dada ao artigo 8.º, n.º 2, do Código das Expropriações, em que não haja lugar a indemnização pela instituição de uma servidão ‘non aedificandi’ sobre área do prédio, onde anteriormente já foi exercido o direito de edificação, nomeadamente com a construção de pavilhão industrial e que constituía a área natural de expansão da referida construção, uma vez que a área perdeu toda a sua capacidade edificativa, não podendo ser usada para esse fim.

Sem esquecer que,

8. A indemnização devida pelo Estado por prática de atos lícitos implica que, cumulativamente, estejamos perante a prática por órgão ou agente da administração de ato que forma e substancialmente se confine nos limites do poder que legalmente dispõe, a produção de danos, o nexo causal entre o ato e os danos, que os danos advenham de prejuízos especiais e anormais, que tais encargos ou prejuízos sejam impostos a um ou alguns dos particulares, na prossecução do interesse geral.

9. No caso dos autos encontram-se verificados todos estes requisitos em especial os relacionados com a especialidade e a anormalidade do dano produzido na esfera jurídica do recorrente.

10. O dano é anormal quando não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da administração.

11. O dano é especial quando não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa.

12. Uma servidão ‘non aedificandi’ institui um dano especial porquanto é apenas imposto a um grupo concreto de indivíduos, no caso, os proprietários de prédios confinantes com a auto-estrada.

13. O dano decorrente da situação dos autos é anormal porque a construção de uma auto-estrada é um evento irrepetível e porque a servidão abrange uma área significativa do prédio de 36,5%, em comparação com a área total, ou, de mais de 50%, se comparado com a área disponível.

14. Novamente viola a Constituição, nomeadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da tutela da propriedade privada, a interpretação dada ao artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 48051, de 1967, na interpretação em que recuse a indemnização, pela instituição de uma servidão ‘non aedificandi’ sobre área de prédio, onde anteriormente já foi exercido o direito de edificação, nomeadamente com a construção de pavilhão industrial e que constituía a área natural de expansão da referida construção, uma vez que a área perdeu toda a sua capacidade edificativa, não podendo ser usada para esse fim, por considerar que o dano causado decorrente da construção de uma auto-estrada, e consequente servidão, seja normal e especial, quando abrange uma área, de pelo menos, superior a 36,5% da área total do...

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