Acórdão nº 421/17 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 421/16

Processo n.º 959/16

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. O Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos, ora recorrentes, imputando-lhe, entre outros, a prática, em coautoria, de dois crimes de lenocínio, previsto e punido, no artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal.

Realizada instrução, a requerimento dos arguidos, foi proferida decisão instrutória que não os pronunciou pela prática dos crimes de lenocínio, com fundamento na inconstitucionalidade da norma do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, cuja aplicação foi recusada com base em violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.

2. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [LTC]), que foi admitido pelo tribunal recorrido.

3. Prosseguindo os autos para alegações, o Ministério Público sustentou, em conclusão, o seguinte:

«1. A norma do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na redação da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, na qual se prevê e pune o crime de lenocínio, não viola o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional.

2. Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso.»

4. Os recorridos contra-alegaram, concluindo, por seu lado, de forma igual, nos termos seguintes:

«1. […], arguido nos autos acima indicados, mediante acusação contra si deduzida pelo Ministério Público, imputando-lhe entre outros, a prática em coautoria, de dois crimes de lenocínio, previsto e punido no artigo 169.º n.º 1 do Código Penal, decidiu requerer a abertura de instrução, invocando entre outros, a questão da inconstitucionalidade do crime de lenocínio previsto no artigo 169.º n.º 1 do Código Penal. Em sede de instrução, foi proferida decisão instrutória no sentido de não pronunciar o arguido […], entre outros, pelo crime de lenocínio, em virtude de o Meritíssimo JIC pugnar pelo entendimento de que a norma do artigo 169.º n.º 1 do Código Penal, é inconstitucional por violação do artigo 18.º n.º 2 da CRP, tendo em consequência, recusado a sua aplicação.

2. Em função dessa decisão, o Ministério Público interpôs recurso, aliás obrigatório, para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º n.º 1 alínea a) e 72.º n.º 3 da LTC, cujo objeto assenta na questão da constitucionalidade da norma do artigo 169.º n.º 1 do CP, na redação conferida na Lei n.º 59/2007 de 4 de setembro, no qual se prevê e pune o crime de Lenocínio.

3. Brevitates causa, o ora recorrido, mantém na íntegra a sua posição e entendimento, porquanto fazendo sua a voz mais elevada de outros, sinteticamente, pugna que o crime de “lenocínio simples” é desconforme com o artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, pois com ele não se protege qualquer bem jurídico, mas antes um “sentimento geral de pudor e moralidade” que não cabe ao Direito Penal tutelar; trata-se de punir atos de pessoas livres, pelo que o crime não tem vítima, o que se traduz na violação da dita norma que apenas protege valores que nada têm a ver com direitos e bens consagrados constitucionalmente, e que não são (nem podem ser) suscetíveis de proteção pelo Direito, segundo a própria Constituição Portuguesa.

4. Donde somos a sustentar que o artigo 169.º n.º 1 do Código Penal está ferido de inconstitucionalidade, porquanto se verifica a cominação de uma pena à margem de qualquer bem jurídico, e nesta medida consubstancia a violação do princípio da proporcionalidade ínscio no artigo 18.º n.º 2 da CRP;

5. Donde somos s sustentar que o artigo 169.º n.º 1 do Código Penal quando interpretado restritivamente no sentido da sua conformidade à Constituição (pressupondo tal interpretação elementos do tipo que o mesmo não contam, ao arrepio da manifestação da vontade do legislador); tal interpretação normativa é inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes ao abrigo do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa».

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

a) Delimitação do objeto do recurso

5. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade.

No caso dos autos, o tribunal a quo recusou a aplicação da norma constante do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal (CP) (v. fls. 712 e correção constante de fls. 734), na qual se prevê o crime de lenocínio simples, «por o considerar materialmente inconstitucional por violação do artigo 18.º/2 da CR».

Em consequência do juízo de inconstitucionalidade afirmado, decidiu o tribunal a quo não pronunciar os arguidos pelos crimes de lenocínio que lhes vinham imputados.

É o seguinte o teor do artigo 169.º do Código Penal:

« Artigo 169.º

Lenocínio

1 - Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.

2 - Se o agente cometer o crime previsto no número anterior:

a) Por meio de violência ou ameaça grave;

b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;

c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho; ou

d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima;

é punido com pena de prisão de um a oito anos.»

No caso dos presentes autos está em causa a norma resultante do seu n.º 1. Isto é, a norma que tipifica e pune como crime “quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição”.

b) Do m é rito do recurso

6. O Tribunal Constitucional teve já ocasião de se pronunciar sobre a norma do artigo 169.º, n.º 1, do CP, na redação resultante da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, pronunciando-se invariavelmente (ainda que nem sempre por unanimidade) pela sua não inconstitucionalidade. Nesta jurisprudência o Tribunal seguiu, de resto, a análise da questão realizada já...

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