Acórdão nº 611/16 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução15 de Novembro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 611/2016

Processo n.º 445/16

1ª Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

.

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. A., Subchefe da Polícia de Segurança Pública, na situação de aposentado, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra ação de impugnação contra o ato do Ministro da Administração Interna de 10 de maio de 2012, que, em aplicação do artigo 26.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, determinou a perda do direito à pensão de aposentação pelo período de 3 anos em substituição da pena de aposentação compulsiva, pedindo a final a declaração de nulidade do ato administrativo impugnado.

A ação foi julgada procedente por sentença de 4 de maio de 2015, que recusou a aplicação, por violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 2.º da Constituição, da norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 26.º do Regulamento Disciplinar da PSP, considerando ser de aplicar ao caso sub judicio a jurisprudência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 858/2014.

O Ministério Público interpôs dessa decisão recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo ver apreciada «a inconstitucionalidade da norma constante da al. b) do n.º 1 do artigo 26.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de Fevereiro, segundo a qual «a pena de aposentação compulsiva será substituída pela perda do direito à pensão pelo período de três anos».

O Tribunal recorrido admitiu o recurso.

Tendo o recurso prosseguido para apreciação de mérito, o recorrente Ministério Público apresentou alegações, em que formula as seguintes conclusões:

«1.ª) Vem interposto, pelo Ministério Público, “recurso obrigatório (…) da sentença proferida nos autos em epígrafe [Processo n.º 1134/12.4BENST, 3.ª UO, acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra] ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 70º, nº 1, al. a) e nº 3 e 75º-A da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (…) que recusou a aplicação do art.º 26º, n.º 1, al. b) do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública [RDPSP], por violação do princípio constitucional da proporcionalidade decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, com os mesmos fundamentos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 854/2014, de 10.12.2014, e do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.03.2015, Processo n.º 01307/13, ambos relativos à al. c) do n.º 1 daquele artigo do referido Regulamento Disciplinar”, pretendendo-se assim “ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante [da aludida al. b) do artigo 26.º, n.º 1, cit.]”.

2.ª) O acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 858/2014, proc. n.º 360/2014, da 3.ª secção, de 10 de dezembro, embora em divergência com anteriores julgados, julgou inconstitucional “a norma do artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, na parte em que determina para os funcionários e agentes aposentados a substituição da pena de demissão pela perda total do direito à pensão pelo período de 4 anos, por violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 2º da Constituição”.

3.ª) Em virtude da similitude existente entre as situações reguladas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 26.º, n.º 1, do RDPSP (o arguido é sempre um “funcionário ou agente” na situação de aposentação; a pena principal é sempre de natureza expulsiva, seja de “aposentação compulsiva” ou de “demissão”; e a pena de substituição redunda, em qualquer caso, na ablação integral da pensão de aposentação, embora por períodos diversos, três e quatro anos, respetivamente) podemos legitimamente usar e deslocar os argumentos mobilizados no precedente jurisprudencial em sede da alínea c) para a alínea b) do n.º 1 do artigo 26.º, do RDPSP, e naturalmente a decisão neles fundada, sempre na medida da similitude dos casos.

4.ª) A “violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 2º da Constituição” ali ditada, e que agora se sufraga, procede nomeadamente da “(…) medida, ao implicar a ablação total da pensão, ultrapassa[r] a natureza estritamente pecuniária de uma pena disciplinar e ating[ir] as condições de subsistência do agente, que fica privado, por período prolongado de tempo, da prestação que deveria substituir, por efeito da passagem à aposentação, os rendimentos da atividade profissional. Desse modo, a ablação ocorre não já no quadro da relação de serviço, mas no âmbito da relação jurídica de segurança social, que assenta num princípio de contributividade e que tem pressuposta a direta correlação entre o direito às prestações e a obrigação de contribuir (acórdão n.º 188/2009)” e “Além disso, uma medida predeterminada em relação ao montante da pensão declarada perdida e ao tempo de duração da perda do direito, sem qualquer ponderação do efeito que poderá produzir nas condições básicas de vida do arguido, põe em causa o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade ou exigibilidade, porquanto uma solução legislativa que preservasse um rendimento mínimo destinado a garantir a existência condigna, ainda que prevendo o correspondente alargamento da duração da pena por forma a alcançar a mesma intensidade de sacrifício patrimonial, poderia atingir, com o mesmo grau de eficácia, os fins de retribuição e prevenção geral sem pôr em risco o direito à subsistência.”.

5.ª) Acresce que a medida disciplinar em apreço tem como pressuposto legal de aplicação a existência de uma situação jurídica de aposentação do funcionário ou agente à mesma sujeito (art. 16.º, n.º 1, corpo, do RDPSP), nos termos da qual o funcionário ou agente em causa, por força da sua pregressa contribuição para o sistema de proteção social na situação de actividade no serviço, é titular de um direito à prestação da pensão de aposentação.

6.ª) O qual é um direito subjetivo público (patrimonial, de crédito) constitucionalmente garantido, em sede do âmbito de proteção do “direito à segurança social”, visando aqui proteger o cidadão na doença, velhice ou invalidez, por virtude da perda da natural capacidade de trabalho (Constituição, art. 63.º, n.ºs 1, 3 e 4).

7.ª) Assim sendo, a norma jurídica constante do artigo 26.º, n.º 1, alínea b) é de qualificar como “lei restritiva” de um direito análogo a um “direito, liberdade e garantia”, no sentido constitucional dos termos (arts. 17.º e 18.º, n.ºs 2 e 3).

8.ª) Ora, por uma parte, a ablação total da pensão, por um período de três anos, como sucede no caso em apreço excede, manifestamente, o necessário para salvaguardar os fins de prevenção geral negativa (dissuasão) e positiva (reforço da vigência da norma) que esta medida disciplinar visará prosseguir (Constituição, art. 18.º, nº 2), sendo certo que haverá uma “alternativa menos restritiva” e igualmente eficaz para a prossecução de tais fins, sem comprometer o direito natural do visado à subsistência: “uma solução legislativa que preservasse um rendimento mínimo destinado a garantir a existência condigna, ainda que prevendo o correspondente...

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