Acórdão nº 604/18 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução14 de Novembro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 604/2018

Processo n.º 1137/15

3ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1. Em ação de processo ordinário, que corre termos no Tribunal da Comarca de Lisboa – Instância Central – 1.ª Secção Cível, foi proferido despacho a declarar deserta a instância pelo facto do processo se encontrar a aguardar há mais de seis meses a junção de certidões de óbito e a habilitação de herdeiros dos autores falecidos.

Os autores coligados A. e outros, recorreram dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, invocando que a falta de junção das certidões de óbito e a falta de habilitação dos sucessores de alguns dos autores não pode afetar os autores sobrevivos, “porquanto o não cumprimento do dever de impulso processual afeta unicamente a ação relativamente ao falecido Autor, mantendo-se a instância quanto aos outros”; alegando ainda que “seria inconstitucional a norma extraída dos artigos 281.º, n.ºs 1 e 3 e 351.º, n.º 1, ambos do CPC, com o sentido de que, em caso de falecimento de um dos Autores em coligação ativa recai sobre os Autores sobrevivos o dever de impulso processual do incidente de habilitação de herdeiros, por forma a que o não cumprimento desse ónus determine a extinção da instância quanto a todos os Autores e não unicamente quanto ao pedido formulado pelo Autor falecido”.

No Tribunal da Relação, o juiz relator julgou improcedente o recurso jurisdicional, com os seguintes fundamentos:

“Defendem os Apelantes que «A norma extraída do disposto nos arts. 281.º, n.ºs 1 e 3 e 351.º, n.º 1, ambos do CPC, deve ser lida com este sentido: o de que, em caso de falecimento de um dos Autores em coligação ativa, o dever de impulso processual cabe aos herdeiros do falecido, pelo que a negligência processual destes determina a extinção da instância quanto ao pedido do Autor falecido, não afetando a mesma quanto aos demais Autores coligados».

Trata-se de uma interpretação que não respeita a unidade do sistema jurídico e não tem na letra dos preceitos invocados, um mínimo de correspondência verbal.

Com efeito, aceitar a tese dos apelantes contende com a lógica do sistema pois, permite considerar que falecida alguma das partes, a instância também se suspende, apenas, relativamente a ela, prosseguindo com as partes sobrevivas.

Há uma unidade jurídica no que diz respeito ao mecanismo da suspensão por falecimento de alguma das partes e ao mecanismo da deserção que se quebra se adotada a interpretação dos apelantes.

Por outro lado, se o legislador quisesse a solução preconizada pelos apelantes não legitimaria tanto as partes que sobrevivem como qualquer dos sucessores da parte falecida a promoverem a habilitação.

É já pensando no desinteresse dos sucessores da parte falecida que o legislador concede às partes sobrevivas a legitimidade para promoverem a habilitação de forma a que cesse a suspensão e o processo prossiga.

Naturalmente que os apelantes levantam questões de direito constitucional, compreendendo-se que queiram ver as suas teses apreciadas até às mais altas instâncias.

Todavia, porque se entende que a 1ª instância fundamentou a decisão recorrida, não praticou qualquer nulidade e seguiu a interpretação acertada, não vemos de que forma os preceitos constitucionais invocados possam ter sido violados. Os apelantes tiveram sempre ao seu dispor o direito a promoverem o andamento do processo”.

Desse despacho, foi interposta reclamação para a conferência, a qual confirmou a decisão reclamada.

Do acórdão da conferência foram interpostos dois recursos de constitucionalidade, um pelos recorrentes A. e outros, e outro por B., ambos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na atual versão (LTC), e com o mesmo objeto: “para impugnação da conformidade constitucional da norma aplicada na decisão recorrida, extraída dos Arts. 281.º, n.º 1 e 351.º, n.º 1, ambos do CPC, no sentido de que, logo que se mostre ultrapassado o prazo de 6 meses sem que seja promovido o respetivo incidente de habilitação de herdeiros, o falecimento de um dos Autores coligados impõe que o juiz decrete a extinção da instância quanto a todos os pedidos e não unicamente quanto ao pedido formulado pelo Autor falecido”.

2. Notificados para o efeito, os primeiros recorrentes apresentaram alegações, com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso tem por objeto a impugnação da conformidade constitucional da norma aplicada no acórdão recorrido, extraída dos artigos 281.º, nºs 1 e 3 e 351.º, n.º 1, ambos do CPC, com o sentido de que, logo que se mostre ultrapassado o prazo de seis meses sem que seja promovido o respetivo incidente de habilitação de herdeiros, o falecimento de um dos Autores coligados impõe que o Juiz decrete a extinção da instância quanto a todos os pedidos e não unicamente quanto ao pedido formulado pelo Autor falecido.

II. É esta norma entendida inconstitucional pelos recorrentes, por constituir uma manifestamente errada interpretação dos aludidos artigos 281.º, nºs 1 e 3 e 351.º, n.º 1 CPC, inconstitucionalidade essa por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva (geradora de uma flagrante situação de indefesa de uma esmagadora maioria de Autores, face à passividade de uma esmagadora minoria), que a Constituição consagra nos seus artigos 2º, 18º, nº 1 e 20º (proibição da indefesa), não podendo, por tal motivo, ser aplicada (artigo 204º da Constituição), neste sentido se pretendendo aferir junto desse Tribunal, se os princípios constitucionais se encontram respeitados.

III. O Tribunal recorrido entendeu porém que não se verifica a apontada inconstitucionalidade, que a interpretação dos recorrentes, “não respeita a unidade do sistema jurídico e não tem na letra dos preceitos invocados, um mínimo de correspondência verbal…, contende com a lógica do sistema…, e se o legislador quisesse a solução preconizada pelos apelantes não legitimaria .... as partes sobrevivas a promoverem a habilitação.”

IV. Os recorrentes, ao contrário, entendem que a sua interpretação respeita a unidade do sistema jurídico e tem correspondência na letra e no espírito da lei, defendendo como lógica a suspensão da instância em relação a um dos oitocentos Autores falecido, não ocorrendo a habilitação, mas prosseguindo com as partes sobrevivas, sendo que o princípio da tutela jurisdicional efetiva evitaria a situação de indefesa de uma esmagadora maioria de Autores coligados (prejudicados), face à negligência de poucos, situação impeditiva de os Autores retirarem da decisão do processo, por razões puramente formais, um efeito útil.

V. A interpretação restritiva do acórdão privilegia um formalismo estrito, contra a obrigação de prosseguir a tramitação do processo até à decisão de fundo, refugiando-se numa alegada “quebra da unidade do sistema, relativamente ao mecanismo da suspensão e da deserção”, a qual se não verificaria caso fosse julgada deserta a instância quanto aos negligentes, prosseguindo quanto aos demais.

VI. Se o legislador tivesse previsto a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva - no caso sub judice pela exigência, numa coligação de cerca de oitocentos Autores, de qualquer um ter de habilitar os sucessores desconhecidos de qualquer outro dos Autores coligados - criaria uma norma no sentido de evitar tal iniquidade.

VII. Neste processo verifica-se uma coligação de cerca de oitocentos Autores (cfr. art. 36.º NCPC, anterior art. 30.º CPC) contra o mesmo Réu, o Estado Português, em que cada um dos Autores pede a indemnização a que por sua parte tem direito, em consequência dos prejuízos que sofreu. Cada um dos Autores coligados formula assim uma pretensão distinta e diferenciada, sendo igualmente diversas as causas de pedir, numa multiplicidade de ações (i.e., de causas, demandas, lides, instâncias, relações jurídicas processuais, feitos), todas elas autónomas e independentes umas das outras, cada Autor é um sujeito jurídico individual.

VIII. A não apresentação de assentos de óbito de Autores falecidos, não pode afetar os Autores sobrevivos, em termos de deserção da instância, pois o não cumprimento do dever de impulso processual afeta unicamente a ação relativamente ao falecido Autor, mantendo-se a instância quanto aos outros (art. 351.º, n.º 1 CPC). Se é verdade que a lei permite às partes sobrevivas habilitarem os sucessores da parte falecida, tal não constitui um dever ou uma obrigação que a lei lhes imponha. A negligência processual não consiste numa omissão de um poder agir, mas na violação de um dever de agir e neste caso, o único sujeito processual onerado com essa obrigação é o conjunto de herdeiros da parte falecida, perdendo o direito de prosseguir a ação.

IX. A norma extraída do disposto nos arts. 281.º, nºs 1 e 3 e 351.º, n.º 1, ambos do CPC, deve ser lida com o sentido de que, em caso de falecimento de um dos Autores em coligação ativa, o dever de impulso processual cabe aos herdeiros do falecido, pelo que a negligência processual destes determina a extinção da instância quanto ao pedido do Autor falecido, não afetando a instância quanto aos demais Autores sobrevivos coligados.

X. É flagrantemente inconstitucional a norma extraída dos arts. 281.º, n.ºs 1 e 3 e 351.º, n.º 1 ambos do CPC, com o sentido de que, em caso de falecimento de um dos Autores em coligação ativa, recai sobre os Autores sobrevivos o dever de impulso processual do incidente de habilitação de herdeiros, por forma a que o não cumprimento desse ónus determine a extinção da instância quanto a todos os Autores e não unicamente quanto ao pedido formulado pelo Autor falecido, ofendendo o princípio da tutela jurisdicional efetiva, contido no princípio do Estado de Direito...

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