Acórdão nº 83/19 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Fevereiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 83/2019

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto (TRP), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi pelo primeiro interposto recurso do Acórdão daquele Tribunal da Relação de 15 de março de 2018 (cf. fls. 904-911), em que se decidiu pelo reenvio parcial dos autos à primeira instância para novo julgamento da matéria de facto.

2. Nos autos, foi proferida a Decisão Sumária n.º 826/2018 (cf. fls. 948-956), na qual se decidiu não conhecer do objeto do recurso com os seguintes fundamentos (cf. II – Fundamentação, n.º 4 e ss.):

«4. O artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), define nos seus n.ºs 1 a 4, os requisitos formais do requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, encontrando-se o prazo de interposição do recurso fixado no artigo 75.º.

À luz destes preceitos, seja qual for o tipo de recurso interposto, deve o recorrente indicar obrigatoriamente a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto, assim como a norma ou interpretação normativa que constitui objeto de tal recurso e cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende fazer sindicar pelo Tribunal Constitucional (n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC). Além disso, deve ainda o recorrente identificar a decisão recorrida e indicar os elementos necessários à apreciação do específico tipo de recurso em causa (designadamente, os exigidos nos n.os 2 e 3, do artigo 75.º-A).

Caso o requerimento de interposição do recurso não indique algum dos elementos formais previstos no artigo 75.º-A da LTC, é facultada ao recorrente oportunidade processual para suprir tais deficiências através do convite ao aperfeiçoamento previsto nos n.os 5 e 6 do mesmo artigo.

5. Assim, deve assinalar-se, antes de mais, que o recurso foi interposto depois de decorridos dez dias desde que o recorrente foi notificado da decisão recorrida (cf. fls.928 e 930), afigurando-se duvidoso face aos autos que fosse ainda possível apresentar o recurso após o termo do prazo mediante o pagamento de multa (nos termos dos n.os 5 e 6, do artigo 139.º do Código do Processo Civil).

Acresce que o requerimento de interposição de recurso não faz menção à alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual vem interposto, ainda que possa depreender-se (também da referência feita, a fls. 935, ao n.º 2, do artigo 70.º da LTC) que se trata de impugnar a decisão recorrida na parte em que aplica normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo (i.e., ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC). Efetivamente, embora o recorrente omita qualquer referência às peças processuais em que as questões de inconstitucionalidade foram suscitadas (tal como previsto no n.º 2, do artigo 75.º-A da LTC), é possível verificar que estas foram enunciadas, tal como constam do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, no momento em que foi arguida a nulidade do acórdão recorrido (fls. 918-921) - que, por constituir um incidente pós-decisório, já não se afigura o momento processual adequado para tal suscitação (salvo nos casos em que seja possível arguir que a decisão recorrida constitui uma “decisão-surpresa”, o que não foi invocado pelo recorrente).

Afigurou-se, todavia, inútil in casu a prolação de despacho para o aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo 75.º-A da LTC, já que decorre do teor do requerimento de recurso e dos autos que não se encontra verificado um dos mais relevantes pressupostos de admissão dos recursos de constitucionalidade (independentemente da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual sejam interpostos) – o pressuposto relativo ao carácter normativo da questão de inconstitucionalidade.

6. Com efeito, tal como resulta do requerimento de interposição de recurso, o recorrente pretende que este Tribunal se pronuncie sobre a inconstitucionalidade do artigo 410.º do Código de Processo Penal (CPP) - na parte em que admite que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito», o recurso possa ter como fundamento a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (als. b) e c) do n.º 2, do artigo 410.º do CPP) -, por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 205.º, da CRP. Mas, segundo o reclamante, apenas «quando não se identificam quais são esses factos provados» e quando «não se identifica qual foi o erro notório» na apreciação da prova (cf. as als. A) a D) do requerimento).

De igual modo, questiona a validade do artigo 374.º, n.º 2 do CPP, à luz dos mesmos parâmetros constitucionais e do princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da CRP), mas apenas «quando interpretado no sentido de dispensar o tribunal ad quem de indicar os elementos de facto que conduziram a que a convicção do tribunal ad quem se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os factos que se deram como provados na sentença recorrida pelo tribunal a quo» (cf. as alíneas E) e F) do requerimento).

7. Resulta, pois, que o que o recorrente contesta e pretende sindicar junto deste Tribunal é o concreto modo como, no caso dos autos, o TRP fundamentou a decisão adotada em 15 de março de 2018 de reenviar «parcialmente os autos nos termos do disposto no art.º 426.º, n.º 1 do CPP para novo julgamento» (fls. 911), por considerar verificadas as hipóteses das alíneas b) e c), do n.º 2, do artigo 410.º, do CPP.

Na verdade, tal como decorre do acórdão de 9 de maio de 2018 - através do qual o TRP indeferiu a arguição de nulidade deduzida pelo recorrente com fundamento na falta de fundamentação, «obscuridade e ininteligibilidade» do acórdão de 15 de março - entendeu este Tribunal que (fls. 926):

«Salvo o devido respeito, não ocorreu qualquer nulidade susceptível de enquadrar a previsão dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP.

O conjunto da matéria de facto provada e não provada é relativamente exíguo: descontados os aspectos relativos ao enquadramento espácio-temporal, ao dolo (inerentes aos materiais) e às condições pessoais de vida, apenas restam como controvertidos e contraditórios os tais nucleares a que alude o acórdão: 4 dos provados vs. B) dos não provados. Por outro lado, não resulta devidamente ponderado, ao nível da fundamentação de facto, a mencionada asserção do exame pericial (…). E esta omissão não pode deixar de ser tida como um erro notório na apreciação da prova – na medida em que não resulta com precisão ponderada esta resposta do exame pericial.

Não se detecta qualquer violação do disposto no art.º 32.º, n.º 1 da CRP.»

Não pode, pois, afirmar-se, que o tribunal a quo tenha extraído, de qualquer dos preceitos legais invocados pelo recorrente, normas segundo as quais se considerasse dispensado de identificar os factos provados tidos como contraditórios; de enunciar «o erro notório» identificado na apreciação da prova; ou «de indicar os elementos de facto que conduziram a que a convicção do tribunal ad quem» se formasse no sentido de ser necessário um novo julgamento das questões identificadas. Pelo contrário, o tribunal entendeu que o acórdão de 15 de março de 2018 havia sido redigido de modo a satisfazer esses requisitos de fundamentação.

8. Deste modo, as questões colocadas no requerimento de interposição de recurso não podem ser consideradas questões de constitucionalidade normativa, que possam ser sindicadas no presente recurso. Nos termos da Constituição e da LTC, não compete ao Tribunal Constitucional sindicar o modo como as instâncias procederam, em concreto, à fundamentação das respetivas decisões. À jurisdição constitucional cabe antes o controlo da conformidade constitucional de normas.

O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – sob pena de inadmissibilidade.

Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):

«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».

9. Acresce que, mesmo que se procurasse descobrir uma dimensão normativa nas questões de constitucionalidade invocadas, de modo a dirigir a fiscalização deste Tribunal às próprias normas impugnadas - e não à decisão judicial que as aplicou -, sempre seria de verificar a falta de outro pressuposto de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta, relativo à efetiva aplicação, pelo Tribunal recorrido, das normas (ou dimensões normativas) cuja constitucionalidade é questionada.

Convém frisar que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de normas jurídicas que tenham constituído razão determinante da decisão desfavorável ao recorrente (artigo 79.º-C da LTC). Cabe, portanto, aos recorrentes delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cujaconstitucionalidade pretendem ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso, tendo constituído a sua ratio decidendi, i.e., tem de haver exata...

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