Acórdão nº 141/19 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução12 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 141/2019

Processo n.º 550/2018

1.ª Secção

Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. No âmbito de um processo contraordenacional, a Autoridade para as Condições de Trabalho condenou a arguida A., aqui recorrente, pela prática de i) uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 129.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, do Código de Trabalho, na coima parcelar de 122 UC’s, ii) uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Trabalho (na versão então vigente), na coima parcelar de 130 UC’s e, em cúmulo jurídico, na coima única € 15.300,00 (150 UC’s).

Inconformada, a arguida impugnou judicialmente a decisão, pedindo a revogação da coima aplicada.

Realizada audiência, por sentença proferida em 30 de maio de 2017, o Tribunal Judicial da Comarca de Faro considerou que, efetivamente, a arguida havia praticado a infração prevista e punida pelo artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, e 554.º, n.º 4, alínea e), 2.ª parte (dolo), e n.º 8, do Código do Trabalho, sendo a mesma, no entanto, punível com coima de 300 a 600 UC’s. Atendendo a que a autoridade administrativa condenara a arguida, no que respeita à infração prevista no artigo 29.º do Código de Trabalho, na coima parcelar de 130 UC’s, e considerando que «nada obsta a que o Tribunal profira decisão em medida superior à adotada pela autoridade administrativa», foi a impugnação apresentada julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, a arguida condenada, como autora material de (i) uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Trabalho, na coima parcelar de 310 UC’s, (ii) uma contraordenação, prevista e punida pelo artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código de Trabalho na coima parcelar de € 100 UC’s e, em cúmulo jurídico, na coima única de e € 35.700,00 (350 UC’s).

Desta decisão, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido suscitada a inconstitucionalidade do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de agosto, por violação dos princípios da proibição da reformatio in pejus e igualdade, ínsitos nos artigos 32.º, n.º 1, e 13.º da Constituição da República Portuguesa. Por acórdão de 8 de março de 2018, considerando que nas contraordenações laborais não vigora a proibição da reformatio in pejus, aquele tribunal viria a negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

2. Nesta sequência, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), requerendo a apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 39.º, n.º 3, e 51.º, n.º 2, alínea a), ambos da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, quando interpretadas no sentido de permitir que, em caso de impugnação judicial pelo arguido da decisão da autoridade administrativa, o tribunal possa alterar a condenação, agravando a coima aplicada por aquela entidade.

3. Prosseguindo os autos para alegações apenas quanto à norma extraída do n.º 3 do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de agosto – por ser a única questão de constitucionalidade que foi suscitada perante o tribunal a quo no momento processualmente adequado –, a recorrente apresentou as seguintes conclusões:

«1. A Recorrente impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho, que a condenou no pagamento de uma coima no montante de 150 UC, no valor de 15.300,00€, no âmbito do processo de contraordenação, pela prática de uma contraordenação p.p. pelo artigo 129.º, n.º 1, alínea ad), e 2, do Código do Trabalho e uma contraordenação p.p. pelo artigo 29.º, n.º 1 e 4, do Código do Trabalho.

2. A Recorrente não atuou com dolo nem sequer com negligência nem praticou qualquer infração.

3. Para a determinação da coima e respetivo montante, a Autoridade para as Condições do Trabalho não teve em linha de conta a situação económica da Impugnante.

4. Assim como não ponderou eventual benefício económico que a Impugnante possa ter retirado com a alegada infração.

5. Não se conformando, a Recorrente impugnou judicialmente tal decisão.

6. Malgrado, o Tribunal Judicial da Comarca de Faro veio a proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos e à alteração da medida da pena.

7. Pelo que Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, arguindo a inconstitucionalidade do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, por violação do princípio da proibição da reformatio in pejus, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

8. O artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, dispõe que, em caso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, o Tribunal possa alterar a condenação.

9. Assim, poderá o arguido, ver em muito agravada a coima aplicada no âmbito da decisão que venha a ser proferida pela 1ª Instância de Recurso, como se verificou no caso sub iudice.

10. O princípio da proibição da reformatio in pejus, foi pensado como um direito geral do processo penal, enquanto direito de defesa e em nome do direito a um processo justo.

11. Verificando-se inibidora do exercício do direito de recurso a possibilidade de, o arguido ver, a final, a sua posição agravada com uma condenação mais pesada do que a inicial.

12. Como princípio geral do processo criminal, encontra a sua base constitucional na conjugação da plenitude das garantias de defesa, do princípio do acusatório e das exigências do processo equitativo.

13. O direito de mera ordenação social é um direito penal secundário o qual, não obstante ter um regime especial, rege-se também subsidiariamente pelo direito penal substantivo.

14. Pretende-se pois a aplicação ao caso sub iudice do princípio da proibição da reformatio in pejus, na medida em que o facto de ser possível o agravamento da coima em sede de recurso de impugnação judicial interposto pelo arguido em sua defesa, viola o seu direito à defesa, na modalidade de direito ao recurso, na medida em que desincentiva o arguido a recorrer conformando-se com a decisão condenatória, sem que tal possa justificar-se com a salvaguarda de outros interesses de outros interesses constitucionalmente protegidos.

15. Tendo em conta tudo o que acima foi referido e, bem assim, o Principio da Justa Medida, resulta que a aplicação do artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, é excessiva e desproporcionada para alcançar os fins pretendidos. No caso, a sanção aplicada foi a do dobro da coima aplicada pela autoridade administrativa, mas a norma permite.

16. O artigo 39.º, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, permite tal amplitude de juízo por parte do Tribunal de primeira instância, que viola o princípio da proibição do livre arbítrio, ínsito no artigo 13.º da CRP – Princípio da Igualdade.

17. Assim é, pois o artigo 39.º, n.º 3, da Lei 107/2009, permite ao julgador um tratamento diverso para situações de facto iguais.

18. Com se verifica nos presentes autos, em que para os mesmos factos, o Tribunal de 1.ª instância vem determinar a respetiva alteração da qualificação jurídica e, consequentemente, alteração substancial da coima aplicada.

19. Tal como a desigualdade proporcionada pela norma em apreço viola, no entender da Recorrente, o princípio da igualdade perante a lei, ínsito no artigo 13.º da CRP.

20. Acresce que, ao aplicar a norma sem ter em conta as especificidades e diferenças em cada caso, sem analisá-los em pormenor, viola o princípio da igualdade.

Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, designadamente a declaração de inconstitucionalidade do entendimento normativo em referência».

4 . Notificado, o Ministério Público apresentou contra-alegações, tendo concluído do seguinte modo:

«1. A norma extraída do n.º 3 do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de agosto, ao dispor que, em caso de impugnação judicial pelo arguido da decisão da autoridade administrativa, o tribunal pode alterar a condenação, agravando a coima aplicada por aquela entidade, não viola os artigos 2º, 13º e 32º, nº 1, da Constituição, não sendo por isso inconstitucional.

2.Termos em que deve ser negado provimento ao recurso».

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A. Delimitação do objeto do recurso

5. De acordo com o processado, a questão de constitucionalidade a decidir nos presentes autos reporta-se à norma extraída do n.º 3 do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de agosto, que estabelece o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social, quando interpretada no sentido de permitir que, em caso de impugnação judicial pelo arguido da decisão da autoridade administrativa, o tribunal possa alterar a condenação, agravando a coima aplicada por aquela entidade.

Efetivamente, embora a recorrente, no recurso de constitucionalidade, requeira a apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 39.º, n.º 3, e 51.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 107/2009, o despacho que determinou a produção de alegações limitou a questão a conhecer à norma extraída do n.º 3 do artigo 39.º, por ser a única questão de constitucionalidade que foi suscitada perante o tribunal a quo no momento processualmente adequado. Esta delimitação do objeto do recurso não foi contestada pela recorrente.

6. Assim, deve começar por se atender à letra do n.º 3 do artigo 39.º, que estabelece o seguinte:

«Artigo 39.º

Decisão judicial

1 - O juiz decide do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.

2 - O...

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