Acórdão nº 189/19 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução27 de Março de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 189/2019

Processo n.º 1043/18

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e a B., S.A., o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 13 de setembro de 2018.

O arguido foi condenado em 1.ª instância na pena única de 6 (seis) anos de prisão efetiva, pela prática, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelos artigos 205.º, n.º 1 e n.º 4, alínea b), e 30.º, n.º 2, do Código Penal (CP), e por um crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218.º, n.º 2, alínea a), do CP. O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que lhe concedeu provimento parcial, alterando a pena única para 5 (cinco) anos de prisão efetiva. O arguido recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo aquele Tribunal da Relação decidido não admitir o recurso, com fundamento no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP). O arguido reclamou desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, que a indeferiu com fundamento no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP.

2. O arguido interpôs então recurso de constitucionalidade, o que fez, para o que aqui releva, nos seguintes termos:

«Notificado desta decisão o Arguido vem, nos a termos do art. 75º-A da LTC, com fundamento no art. 70º nº 1, al. g) do mesmo diploma legal, requerer a apreciação da inconstitucionalidade desta norma, mais concretamente da al. e) do n 1 do art. 400º do Código do Processo Penal, por violação do princípio da legalidade e do direito ao recurso, enquanto garantias de defesa em processo penal, constitucionalmente consagrados nos art. 29º nº 1 e 32º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa.

Na verdade, o Direito ao Recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. Como se referiu, o Arguido foi condenado em 1ª Instância numa pena única de 6 anos de prisão, a qual, nos termos do art. 50º do C.P., não permitia ao Tribunal a ponderação da sua suspensão.

Após recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, veio aquele Venerando Tribunal reduzir a pena única aplicada ao arguido para 5 anos de prisão, pelo que imperava a aplicação do regime da suspensão da execução da pena, desde que reunidos os pressuposto do art. 50º do C.P.. O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu pela não suspensão da pena de prisão em que o Arguido em cúmulo foi condenado, concluindo que, não era merecedor de um juízo de prognose favorável, de conformar a sua atuação com o direito.

Salvo melhor entendimento, esta é uma decisão suscetível de ferir os direitos liberdades e garantias do Arguido, o qual, não teve oportunidade de sindicar, por lhe ter sido negado um direito constitucionalmente garantido, o direito ao Recurso, com fundamento na al. e) do nº 1 do art. 400º do Código do Processo Penal.

Pelo que forçoso será concluir que esta norma, ao prever a inadmissibilidade de recurso do Acórdão da Relação, que inovatoriamente aplica uma pena de prisão efetiva igual a 5 anos, e não a suspende em desrespeito pelo disposto no art. 50º do C.P., viola as garantias de defesa do Arguido.

No mesmo sentido, ainda que por outros fundamentos, já decidiu o Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão nº 412/2015 de 29 de setembro de 2015, no Acórdão 429/2016 de 13 de julho de 2016 e no Acórdão 845/2017 de 13 de dezembro de 2017.

Acresce ainda que, já na interposição de recurso para a Veneranda Relação de Coimbra o Arguido invocou, entre outros vícios, a violação dos princípios da liberdade de apreciação da prova (art. 127º do CPP), princípio da presunção da Inocência do Arguido e Principio “in dúbio pro reo motivações que não mereceram o acolhimento daquele Venerando Tribunal, em violação expressa dos artigos 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa e bem assim, complementarmente o art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Razão pela qual o Arguido, também, fundamenta o presente Requerimento de Recurso na al. b) do nº 1 do art. 70º da LTC.»

3. Por despacho de 3 de outubro de 2018, o Supremo Tribunal de Justiça convidou o recorrente «a identificar, no prazo de 10 dias, o acórdão do Tribunal Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional a interpretação normativa da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, (…) já que também interpõe recurso ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC».

4. Respondendo ao convite, o recorrente indicou o Acórdão n.º 412/2015, o Acórdão n.º 429/2016 e o Acórdão n.º 845/2017 – os mesmos que indicara já no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional.

5. O recurso foi parcialmente admitido pelo Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 24 de outubro de 2018, o qual apresenta o seguinte conteúdo:

«Não se toma conhecimento da parte do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, onde o recorrente A. invoca a "violação dos princípios da liberdade de apreciação da prova (art. 127.º do CPP), princípio da presunção de inocência do arguido e o princípio in dúbio pro reo" por não se referirem a decisão proferida nos termos do artigo 405.º do CPP.

*

Admite-se o recurso no segmento em que se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC, a processar nos próprios autos, com efeito suspensivo.»

6. Decorrido o prazo de que dispunha para o efeito, o recorrente não reclamou para o Tribunal Constitucional da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de não admitir o recurso de constitucionalidade na parte do mesmo que foi interposta ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, atinente a uma alegada «violação dos princípios da liberdade de apreciação da prova (art. 127.º do CPP), princípio da presunção de inocência do arguido e o princípio in dubio pro reo», por entender que nenhuma norma decorrente desse preceito constituiu ratio decidendi da decisão em questão.

7. Pela Decisão Sumária n.º 4/2019, de 8 de janeiro, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer o objeto do recurso, por entender não se encontrar preenchido o pressuposto central de que depende o conhecimento de um recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da LTC – ou seja, que a decisão recorrida tenha aplicado uma «norma já anteriormente julgada inconstitucional (…) pelo próprio Tribunal Constitucional». Suportou-se essa Decisão Sumária na seguinte fundamentação:

«7. Na parte em que não foi admitido pelo tribunal a quo, o recurso de constitucionalidade em apreço não pode ser aqui tido em consideração. Recorda-se novamente que, nessa parte, o recurso foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC e respeita a uma alegada «violação dos princípios da liberdade de apreciação da prova (art. 127.º do CPP), princípio da presunção de inocência do arguido e o princípio in dubio pro reo».

Em apreço na presente decisão sumária está, portanto, apenas a parte do recurso de que foi admitida pelo Supremo Tribunal de Justiça, a qual respeita ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP. Entende mais especificamente o recorrente que esse preceito do CPP viola o «princípio da legalidade e do direito ao recurso, enquanto garantias de defesa em processo penal, constitucionalmente consagrados nos art. 29º nº 1 e 32º nº 1 da Constituição», na medida em que dele decorre «a inadmissibilidade de recurso do Acórdão da Relação, que inovatoriamente aplica uma pena de prisão efetiva igual a 5 anos, e não a suspende em desrespeito pelo disposto no art. 50º do C.P.».

Expõe mais desenvolvidamente o recorrente que: «o Arguido foi condenado em 1ª Instância numa pena única de 6 anos de prisão, a qual, nos termos do art. 50º do C.P., não permitia ao Tribunal a ponderação da sua suspensão. Após recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, veio aquele Venerando Tribunal reduzir a pena única aplicada ao arguido para 5 anos de prisão, pelo que imperava a aplicação do regime da suspensão da execução da pena, desde que reunidos os pressuposto do art. 50º do C.P.. O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu pela não suspensão da pena de prisão em que o Arguido em cúmulo foi condenado, concluindo que, não era merecedor de um juízo de prognose favorável, de conformar a sua atuação com o direito. Salvo melhor entendimento, esta é uma decisão suscetível de ferir os direitos liberdades e garantias do Arguido, o qual, não teve oportunidade de sindicar, por lhe ter sido negado um direito...

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