Acórdão nº 485/19 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 485/2019

Processo n.º 462/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público, B. e C., estes últimos na qualidade de legais representantes da menor D., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, “LTC”), do despacho proferido pela Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 22 de março de 2019, que indeferiu a reclamação deduzida contra o despacho proferido pelo Juiz Relator do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de fevereiro de 2019, que não admitiu o recurso interposto do acórdão proferido pela referida Relação, em 18 de dezembro de 2018, através do qual fora concedido parcial provimento ao recurso interposto pelos assistentes e, em consequência, substituída a pena única de dois anos de prisão, suspensa na respetiva execução com igual período, imposta ao ora reclamante, pela pena única de 2 anos e 9 meses de prisão efetiva.

2. Através da Decisão Sumária n.º 386/2019, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, conheceu-se do objeto do recurso de constitucionalidade, tendo-se decidido não julgar inconstitucional a norma extraível do artigo 400.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal, segundo a qual «não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça interposto pelo arguido/recorrido do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à suspensão da execução de uma pena de prisão aplicada em primeira instância, condena o arguido, em recurso interposto pelos assistentes, numa pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, agravando ainda a medida da pena», ainda que por remissão para anterior jurisprudência do Tribunal.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II – Fundamentação

7. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, preceito segundo o qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional “das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.

Através dele pretende o recorrente ver reconhecida a inconstitucionalidade, por violação do disposto nos artigos 20.º. nºs 1 e 4, 32.º, n.º 1 e 202.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição, da «interpretação do artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, segundo a qual não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça interposto pelo arguido/recorrido do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à suspensão da execução de uma pena de prisão aplicada em primeira instância, condena em recurso interposto pelos Assistentes o arguido em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos agravando ainda a medida da pena».

Por ter sido já objeto de sucessivos e concordantes pronunciamentos no âmbito da jurisprudência deste Tribunal, a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso é simples, razão pela qual será apreciada através da presente decisão sumária, nos termos previstos no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

8. Conforme resulta da decisão aqui recorrida, para indeferir a reclamação dirigida contra o despacho proferido pelo Juiz Desembargador Relator, que não admitiu o recurso pretendido interpor do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o Supremo Tribunal de Justiça fundou a conclusão de aquele recurso não era legalmente admissível nas normas conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea e), ambos do Código de Processo Penal, das quais resulta serem irrecorríveis para aquele Supremo Tribunal os «acórdãos proferidos em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos».

A norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal que constitui, como se viu, o fundamento jurídico do juízo subjacente ao indeferimento da reclamação contra a decisão sumária de rejeição do recurso, foi por várias vezes apreciada já por este Tribunal, que concluiu reiteradamente pela sua não inconstitucionalidade.

No que particularmente concerne ao direito ao recurso penal — direito que, de acordo com a recorrente, é posto em causa pela norma impugnada —, o Tribunal Constitucional vem afirmando, de modo repetido e firme, que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa não impõe um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na liberdade de conformação do legislador a definição dos casos em que se justifica o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (cf. Acórdãos n.ºs 189/2001, 336/2001, 369/2001, 49/2003, 377/2003, 495/2003 e 102/2004, disponíveis, tal como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt), excecionando-se apenas a possibilidade de consagração de critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados.

Além disso, tem-se igualmente considerado não ser arbitrário, nem manifestamente infundado, reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (cfr., entre outros, os acórdãos n.º 189/2001, 451/2003, 495/2003, 640/2004, 255/2005, 64/2006, 140/2006, 487/2006, 682/2006, 645/2009, e 174/2010). Como se escreveu no Acórdão n.º 451/03, tal limitação apresenta-se como “racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação” (itálico aditado).

É com base, pois, nesta ordem de considerações que, tendo sido já, por diversas vezes, chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional da norma constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação conferida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, vem este Tribunal reiteradamente concluindo no sentido da sua não inconstitucionalidade, nomeadamente na perspetiva da violação do direito ao recurso (cf. Acórdãos n.º 276/2015, 516/2015 e 418/2016).

No caso em presença, importa reiterar essa consolidada jurisprudência.

9. Na decisão sumária n.º 37/2017 cujos fundamentos foram subsequentemente reiterados na decisão sumária n.º 290/2017, esta confirmada pelo Acórdão n.º 357/2017 —, o Tribunal decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretada no sentido de que «é vedado o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, em recurso, imponha ao arguido não recorrente pena privativa de liberdade não superior a 5 anos, em substituição de outra que não continha tal privação».

No que para o presente caso releva, por reporte à alegada violação «do direito de acesso à justiça, designadamente na sua modalidade de direito ao contraditório», que o recorrente considerou igualmente violado pela norma impugnada, escreveu-se naquela decisão o seguinte:

«(...)

12. Importa ainda frisar que as razões que estiveram na base do julgamento de inconstitucionalidade alcançado no Acórdão 429/2016 não são transponíveis para a avaliação da norma ora em análise, precisamente porque existe uma diferença substancial entre as questões colocadas ao Tribunal Constitucional. Como se salientou no aludido acórdão, «os elementos caracterizadores da norma que cumpre apreciar são o facto de, no caso presente, ter existido uma decisão absolutória da primeira instância que é revertida pela decisão do Tribunal da Relação e essa reversão resultar na condenação em pena de prisão efetiva».

Considerou então o Tribunal que, num caso de reversão de absolvição para condenação em pena de prisão efetiva, o julgamento do recurso não assegura plenamente a reapreciação da matéria relativa às consequências jurídicas do crime, por a mesma constituir um segmento inovador do acórdão condenatório.

Enquanto que nos casos abrangidos pela norma sindicada no Acórdão n.º 429/2016, o direito de resposta ao recurso não permite um exercício efetivo do direito de defesa, já que exige do arguido absolvido em primeira instância um elevadíssimo grau de antecipação de todos os juízos e argumentos que podem conduzir a uma condenação – v.g. eventual alteração da matéria de facto, discussão do enquadramento jurídico dos factos e operações de determinação judicial da pena concreta e demais consequências do crime – para os poder contraditar, nas situações subsumíveis à norma em apreciação nos presentes autos o quadro é radicalmente distinto.

De facto, no caso de recurso de decisão de primeira instância condenatória, que tenha aplicado pena não privativa da liberdade e em que o recorrente Ministério Público e/ou Assistente pugnem perante a Relação pelo agravamento daquela, o objeto do recurso encontra-se perfeitamente delimitado, balizando-se a possível decisão do mesmo dentro de apertados limites: a moldura penal abstrata aplicável ao crime imputado, a proibição da reformatio in pejus e o pedido do recorrente.

Nestes casos, existe uma efetiva reapreciação do segmento da decisão condenatória relativo às consequências do crime, cujos termos, âmbito e consequências, são perfeitamente antecipáveis pelo arguido. O objeto do recurso e os assinalados limites intrínsecos e extrínsecos à decisão a tomar pelo...

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