Acórdão nº 604/19 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução22 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 604/2019

Processo n.º 977/2019

Plenário

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. O Partido Social Democrata vem, ao abrigo do disposto nos artigos 117.º e 118.º da Lei Eleitoral da Assembleia da República, aprovada pela Lei nº 14/79, de 16 de maio, (doravante, designada por «LEAR»), interpor recurso contencioso para o Tribunal Constitucional, respeitante à votação relativa às eleições legislativas de 6 de outubro de 2019, ocorrida nos Círculos Eleitorais da Europa e de Fora da Europa, «por ilegalidade da norma do n.º 4 do art. 98.º do referido diploma», requerendo, a final, «[a] reconsideração dos votos identificados como nulos por falta de cópia do documento de identificação civil nos envelopes brancos referidos no art. 79º-G dos eleitores dos círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa – em todas as mesas – como votos inexistentes/ausentes, considerando-se ilegal a norma (nº 4 do art. 98º, na parte que aqui se descreve) que qualifica como nulos os votos nos casos em que falta a cópia do referido documento, já que se impões que sejam extraídas todas as consequências legais sobre esta matéria, atenta a ilegalidade apontada».

Mais requer «[a] ordenação à Secretaria-geral do Ministério da Administração Interna a correção dos resultados eleitorais publicados nestes círculos, retirando os citados votos dos votos nulos» e que «se retirem as demais consequências legais eventuais em face dos pedidos anteriores».

2. No requerimento de interposição do presente recurso, o recorrente alega para o efeito o seguinte:

«Nos termos do art. 117º e seguintes da lei n.º 14/79, de 16 de maio, o Partido Social Democrata, aqui representado por José Maria Lopes Silva no, seu Secretário-Geral, com poderes para o efeito nos termos dos Estatutos do Partido, vem apresentar RECURSO sobre a relevação/consideração dos votos nulos no apuramento dos votos dos residentes no estrangeiro, círculo da Europa e círculo Fora da Europa, por ilegalidade da norma do n.º 4 do art. 98º do referido diploma, o que faz com os seguintes fundamentos de facto e de direito:

1. O Partido Social Democrata concorreu nas eleições legislativas de 2019 pelo círculo eleitoral da Europa e pelo círculo eleitoral de Fora da Europa.

2. No apuramento da votação realizada nos círculos enunciados os votos que violavam o disposto no nº. 6 do art. 79º.-G da Lei nº. 14/79, de 16 de maio, na sua versão atual, por não conterem no envelope branco uma fotocópia do cartão de cidadão ou do bilhete de Identidade, foram relevados como nulos;

3. O disposto no art. 98º da citada lei tipifica os casos em que o voto deve ser considerado nulo, distinguindo, dessa forma, i) os votos validamente expressos, ii) os votos brancos e iii) os votos nulos;

4. Quando o legislador enunciou os casos em que o voto deve ser considerado nulo - vd. 98º, nº. 2 do mesmo diploma - estatui que são votos nulos os seguintes:

a. «No qual tenha sido assinalado mais de um quadrado ou quando haja dúvidas sobre o qual o quadrado assinalado»;

b. «No qual tenha sido assinalado o quadrado correspondente a uma lista que tenha desistido das eleições ou que não tenha sido admitida»;

c. «Na qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura ou quando tenha sido escrita qualquer palavra»;

5. A lei estipula, ainda, no nº. 4 do art. 98º que é nulo, também, o voto postal quando o boletim de voto não chega ao seu destine nas condições previstas, inter alia, no art. 79º-G da lei nº.14/79;

6. Daí se aferindo, quando não chega dentro do envelope branco e neste tenha sido inserida cópia do cartão de cidadão ou do bilhete de identidade, como estabelece o n.º 6 do art. 79ºG;

7. Note-se que o número de votos nulos apurados no círculo eleitoral da Europa e no círculo eleitoral de Fora da Europa ascenderam a 35.331 votos, num universo total de votantes de 158.252, i.e., cerca de 22,3% dos votos totais foram relevados como nulos, maioritariamente por não constar no citado envelope a cópia do documento de identificação; número que não pode deixar de ser considerado como anormal;

8. Note-se, ainda, que for força das alterações à Lei Eleitoral introduzidas em 2018, esta foi a primeira vez que tal sucedeu, tendo-se verificado uma ausência de esclarecimento suficiente junto dos eleitores recenseados nestes círculos eleitorais;

9. Ademais, por força da ausência de cópia do documento de identificação, o envelope verde referido no nº. 6 do art. 79lº-G nunca chega a ser aberto, desconhecendo-se em absoluto se o voto é no partido A, no Partido B, ou noutro qualquer, se se encontra rasurado, se se encontra em branco ou se se encontra noutra circunstância qualquer;

10. Daqui se intuindo que na verdade o voto não chega a ser expresso, i.e., desconhece-se em absoluto e assim será para o futuro qual o sentido do voto que o eleitor expressou, se é que o expressou;

11. Só pode ser nulo um voto que tenha um mínimo de expressão evidente que o permita qualificar tal, por não ser válido ou em branco;

12. Pelo que, se assim é, a condição do envio de cópia do documento de identificação que deve ser colocado no envelope branco não constitui a expressão do voto em si - caso em que preenchidos os casos do nº. 2 do art. 98º sempre seriam considerados nulos; mas sim uma condição de identificação do eleitor, tal como sucede quando um eleitor recenseado em Portugal continental se identifica ao Presidente da Mesa da Assembleia de Voto:

13. E de onde resulta que, se o eleitor se identifica é-lhe entregue um impresso de voto, mas se não se identifica o voto simplesmente não existe, porque o impresso nem sequer lhe é facultado;

14. Então, a norma ínsita no nº. 4 do art. 98º da Lei 14/79, na parte em que se deve considerar nulo o voto por não preencher os requisitos do art. 79º-G - na parte em que no envelope branco não foi junta cópia do documento de identificação - deve ser considerada ilegal, por violar o princípio da igualdade entre eleitores e o princípio da verdade eleitoral, pois em causa não está um verdadeiro voto nulo, mas um voto inexistente para a Administração Eleitoral;

15. A Comissão Nacional de Eleições chegou mesmo a emitir uma orientação mandando considerar como nulos aqueles votos;

16. No entanto, a melhor interpretação do pensamento do legislador não pode deixar de ser a consideração do voto como inexistente, já que nem sequer se chega a conhecer a intenção de voto constante no envelope verde, quando a cópia do documento de identificação se encontra ausente;

17. A ser assim, impugna-se em recurso a consideração como voto nulo de todos os votos recebidos para o Círculo Eleitoral da Europa e do Círculo Eleitoral de Fora da Europa, nos casos em que falta o documento de identificação, atenta a violação dos princípios referidos e, em primeiro, por violação do princípio da verdade eleitoral protegida pela Constituição da República Portuguesa;

18. Refira-se, também, que se tratando aqui de matéria sobre direito constitucional- atentos os princípios invocados da verdade eleitoral e da igualdade entre eleitores - deve ser o Tribunal Constitucional a clarificar o âmbito e os limites da norma do nº. 4 do art. 98º, em articulação com o nº. 6 do art. 79º-G da Lei n.º 14/79, de 16 de maio, mandando corrigir o que for de Direito;

19. O Partido Social Democrata, através dos seus delegados ou mandatários de lista, apresentou protestos às Mesas de voto sobre a questão dos votos nulos quando se encontrava ausente o documento de identificação dos eleitores, como consta das Atas das Assembleias Gerais de Apuramento dos círculos eleitorais em relevo;

20. E, apesar de ter sido dado provimento aos protestos enunciados, as Assembleias Gerais de Apuramento não extraíram todas as consequências legais sobre a norma do art. 98º, nº. 4 da Lei nº. 14/79, no que se refere ao facto de na verdade os votos onde no envelope branco estavam ausentes as cópias do documento de identificação deverem ser considerados votos inexistentes, ao invés de nulos.

Em face do exposto, apesar de não poderem ser separados os votos tidos como válidos quando estava ausente o documento de identificação, REQUER-SE:

a) A reconsideração dos votos identificados como nulos por falta de cópia do documento de identificação civil nos envelopes brancos referidos no art. 79º-G dos eleitores dos círculos eleitorais da Europa e de Fora da Europa - em todas as mesas - como votos inexistentes/ausentes, considerando-se ilegal a norma (n.º 4 do art. 98.º, na parte que aqui se descreve) que qualifica como nulos os votos nos casos em que falta a cópia do referido documento, já que se impõe que sejam extraídas todas as consequências legais sobre esta matéria, atenta a ilegalidade apontada;

b) A ordenação à Secretária-geral do Ministério da Administração Interna da correção dos resultados eleitorais publicados nestes círculos, retirando os citados votos dos votos nulos.

c) Que se retirem as demais consequências legais eventuais em face dos pedidos anteriores.

Junta: cópia das atas das Assembleias Gerais de Apuramento dos Círculos Eleitorais da Europa e de Fora da Europa».

3. Notificados os partidos recorridos, responderam o Partido Socialista, o Partido Unido dos Reformados e Pensionista e o LIVRE, nos termos que se seguem.

3.1. O Partido Socialista alegou o seguinte:

«Paulo Pisco, Mandatário do Partido Socialista no Círculo da Europa e Círculo Fora da Europa, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 118.º, n.º 3, da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, vem responder ao recurso interposto pelo PSD, o que faz nos seguintes termos:

I. Da inutilidade objetiva da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT