Acórdão nº 583/19 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução21 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 583/2019

Processo n.º 688/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrida B., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 9 de abril de 2019, que concedeu provimento apenas parcial ao recurso de revista interposto pelo ora recorrente, confirmando, assim, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos demais segmentos por aquele contestados.

2. Através da Decisão Sumária n.º 925/2018, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«7. Incidindo sobre o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 9 de abril de 2019, o recurso interposto no âmbito dos presentes autos funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de acordo com a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Conforme vem sendo reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (cf. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016).

Quer isto significar que, contrariamente ao que sucede com a figura do recurso de amparo, o acesso à jurisdição constitucional no âmbito da fiscalização concreta, tal como perspetivado no artigo 280.º da Constituição, não se destina à sindicância “da possível e direta violação de direitos fundamentais, especificamente tutelados pela Constituição, por concretos atos ou decisões, maxime do poder jurisdicional” (cf. Carlos Lopes do Rego, Os recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 26).

Não incumbindo ao Tribunal Constitucional sindicar o resultado da atividade ponderativa e subsuntiva própria das instâncias, nem a estas se substituir na apreciação dos factos materiais da causa, na definição da correta conformação da lide e/ou na determinação da melhor interpretação do direito ordinário (cfr. Acórdão n.º 466/16), os seus poderes de cognição, para além de circunscritos à questão jurídico-constitucional que lhe é colocada, apenas podem ser exercidos sobre normas jurídicas, tomadas com o sentido objetivamente extraível do preceito que as consagra ou com aquele que, sendo ainda expressão do critério heterónomo de decisão que nelas se contém (cfr. José Manuel M. Cardoso da Costa, “Justiça constitucional e jurisdição comum (cooperação ou antagonismo?)”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 209, nota 12), a decisão recorrida lhes houver especificamente associado.

Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, é ainda necessário que a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição haja sido suscitada «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (cf. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC).

Para além de vincular o recorrente à antecipação da questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso, exigindo-lhe que a defina antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida, o requisito da suscitação atempada tem uma evidente dimensão formal, impondo ao recorrente um ónus de delimitação e especificação, perante o tribunal a quo, do objeto do recurso, com indicação das razões pelas quais considera ser inconstitucional a norma que pretende submeter à apreciação do tribunal, individualizando de forma clara qual o preceito ou preceitosarco legal ou bloco normativo — cuja legitimidade constitucional pretende questionar. Quando esteja em causa a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, a suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade pressupõe que «esse sentido (dimensão normativa)» seja «enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição» (cf. Acórdão n.º 367/94).

Conforme passará a demonstrar-se, nem no requerimento de interposição do recurso, nem perante o Tribunal a quo, foi suscitada pelo recorrente qualquer questão suscetível de constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade.

8. Segundo resulta do requerimento de interposição do recurso, o recorrente pretende ver apreciadas «três diferentes inconstitucionalidades na interpretação de normas diversas», designadamente:

i) «[a] falta de fundamentação num processo equitativo assente num Estado de Direito Democrático – emergente do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que na sua decisão não considera qualquer prova produzida e fundamenta a sua posição consoante critérios e conjeturáveis, e que, posteriormente, essa decisão infundada é também, erroneamente objeto de fundamento da decisão por parte do Supremo Tribunal de Justiça»;

ii) «a violação do princípio fundamental da capacidade e da autonomia e propriedade privada»

iii) «a inconstitucionalidade por violação da dupla condenação».

Relativamente às duas últimas questões, refere o recorrente que as mesmas «respeit[am] às normas aplicadas, quanto às questões de mérito dos recursos interpostos, ante o Tribunal da Relação, como o Supremo Tribunal de Justiça».

As três «inconstitucionalidades» identificadas pelo recorrente, radicam, conforme pelo próprio expressamente referido, no facto de as decisões do Tribunal da Relação de Lisboa e o Supremo Tribuna de Justiça terem violado:

i) «o art. 20.º n.º 4, art. 26.º, 29.º, art. 205.º, n.º 1 todos da Constituição da República Portuguesa; e o art. 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem»;

ii) «o princípio fundamental da Autonomia e da Propriedade Privada, previsto nos artigos 26.º e 62.º, orientado pelos artigos 2.º, 17.º e 18.º, todos da Constituição da República Portuguesa, e aflorado no artigo 405º do Código Civil»;

iii) «o princípio non bis in idem, pelo que, enferma de uma nulidade pois não poderia ter sido conhecida uma vez que o Recorrente já indemnizou a Recorrida pelos danos patrimoniais e não patrimoniais pedidos no pedido reconvencional, no âmbito de uma decisão já transitada em julgado, a nulidade em apreço verifica-se quer quando seja de natureza processual, quer quando se prenda com o mérito da causa, conforme se verifica neste último caso, à luz do n.º 5 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa».

Tal como caracterizados pelo próprio recorrente, todos os vícios invocados no requerimento de interposição do recurso são imputados diretamente ao acórdão aqui recorrido, bem como àquele que o antecedeu, relevando exclusivamente da crítica, quer ao juízo aí formulado no âmbito da (re)apreciação dos elementos de prova considerados em primeira instância, quer à solução de direito infraconstitucional alcançada, primeiro, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e, seguidamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Para além de desconsiderar o princípio segundo o qual, «com o esgotamento dos meios impugnatórios “ordinários”, ficam naturalmente “consumidas” as decisões precedentes, que hajam incidido sobre a matéria apreciada por quem profere a decisão definitiva» (cf. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos…, p. 115), a pretensão formulada no requerimento de interposição do recurso é, também quanto ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, apenas a de ver sindicado o concreto ato de julgamento levado a cabo por este Tribunal, no segmento em que concluiu pela inviabilidade da restituição do imóvel ao autor, ora recorrente, e confirmou o reconhecimento à ré, ora recorrida, do direito a nele residir, a título de comodatária.

Sucede que tal discussão não cabe na competência do Tribunal Constitucional.

Por força do caráter estritamente normativo do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, encontra-se vedada a este Tribunal a apreciação dos concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros órgãos jurisdicionais, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a regras e princípios constitucionais (cf. Decisão Sumária n.º 23/2017). Nestes termos, o objeto do recurso interposto nos presentes autos é manifestamente inidóneo, o que obsta à respetiva admissibilidade.

9. Acrescente-se que, ainda que assim não fosse, à admissibilidade do presente recurso sempre obstaria o facto de o recorrente não ter suscitado durante o processo, perante o Tribunal a quo, qualquer questão de constitucionalidade normativa.

Com efeito, tanto no corpo da alegação como nas conclusões que acompanharam o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – que delimitam as questões a...

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