Acórdão nº 608/19 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução22 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 608/2019

Processo n.º 597/2019

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Notificada da decisão sumária n.º 498/2019, que decidiu não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, dos artigos 2.°, 3.° e 4.° da Portaria n. ° 215/2012, de 17 de julho, e do artigo 1.° da Portaria n. ° 200/2013, de 31 de maio, e, em consequência, negou provimento ao recurso, vem a recorrente A., Lda., dela reclamar para a Conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC).

2. Releva para a apreciação da presente reclamação que o recurso de constitucionalidade é incidente de ação de impugnação judicial que a recorrente deduziu contra os atos de liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), referentes à prestação única do ano de 2012 e à primeira prestação do ano de 2013, no valor de € 2.442.291,82, no âmbito da qual o Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão proferido em 17 de maio de 2018, negando provimento ao recurso interposto pela impugnante, manteve a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, que havia julgado improcedente a impugnação.

É essa a decisão visada pelo recurso de constitucionalidade interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, através de requerimento onde se enuncia a seguinte pretensão:

«(…) As normas em causa são os artigos 9° do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, os artigos 2°, 3° e 4° da Portaria n. ° 215/2012, de 17 de Julho, e o artigo 1 ° da Portaria n. ° 200/2013, de 31 de Maio.

No entendimento da Recorrente, estas normas violam o Princípio Constitucional da Legalidade Tributária, constante dos artigos 103°, n.ºs 2 e 3, e 165°, alínea i), da Constituição da República Portuguesa. Para além disso, violam também o Princípio da Igualdade Tributária. Este Princípio é uma decorrência do Princípio geral da Igualdade, vertido no artigo 13° da Constituição da República Portuguesa, e é concretizado quer pelo Sub-Princípio da Capacidade Contributiva quer pelo Princípio da Tributação das Empresas Segundo o Lucro Real. Este último encontra-se plasmado no artigo 104°, n.º 2, da Constituição.

A questão da inconstitucionalidade dos artigos em causa foi suscitada pela Recorrente na petição inicial que deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa, designadamente nos artigos 100º a 319º.

Para além disso, a mesma matéria é tratada nas alegações de recurso apresentadas neste Tribunal Central Administrativo - Sul, concretamente nas páginas 2 a 29 e nas conclusões A a Q.

Aliás, nessas alegações, a argumentação da Recorrente relativa à inconstitucionalidade das normas indicadas é até reforçada com a demonstração das razões pelas quais a jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao tributo aqui em causa (a "Taxa de Segurança Alimentar Mais"), citada pela Sentença de Primeira Instância e pelo Acórdão recorrido, diz integralmente respeito a uma situação de facto, relacionada com determinados sujeitos passivos, que é distinta da situação da ora Recorrente, sendo que esta situação apresenta elementos suscetíveis de alterar o teor da jurisprudência em causa quanto à conformidade constitucional das normas em crise (cfr. o ponto 1 do capítulo B das alegações de recurso- páginas 2 a 16).»

3. A decisão reclamada assenta na seguinte fundamentação:

«4. A questão da conformidade das normas de incidência que caracterizam o tributo Taxa Segurança Alimentar Mais foi já repetidamente apreciado pelo Tribunal, com destaque para o julgamento proferido pelo Plenário, através do Acórdão n.º 539/2015, que decidiu «não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho». Esta orientação jurisprudencial foi posteriormente reafirmada nos Acórdãos n.ºs 544/2015, 564/2015, 565/2015, 566/2015, 568/2015, 602/2015 e 232/2016.

A questão colocada nos presentes autos, ainda que convoque outros preceitos normativos, para além dos referidos no dispositivo dos arestos indicados, não comporta dimensão normativa distinta. Com efeito, o recorrente refere igualmente o artigo 2.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, que se limita a densificar as regras de incidência que decorrem do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e o artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, que estabelece regras interpretativas, sem que, porém, extraia das normas contidas em tais preceitos, por si ou em conjugação com o preceituado nos artigos 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, um sentido normativo específico, em termos de configurar, total ou parcialmente, um novo problema de constitucionalidade.

5. Do mesmo jeito, pese embora o recorrente invoque a presença no critério normativo efetivamente aplicada na decisão recorrida – e só este releva, não cabendo a este Tribunal apreciar da bondade dos fundamentos de facto do ato judicial – de «elementos suscetíveis de alterar o teor da jurisprudência em causa quanto à conformidade constitucional das normas em crise», entendendo que a sua situação é distinta da que se verificava nos casos em que foi proferida a aludida jurisprudência. Porém, não indica, como é seu ónus de acordo com o princípio do pedido, qual o específico elemento normativo que tem em conta nessa conclusão, tendo inscrito no requerimento de interposição de recurso, tal como fez na suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo, pretensão de apreciação das normas contidas nos preceitos indicados on its face.

De todo o modo, a dimensão relativa à finalidade do tributo e sua afetação financeira foi apreciada no Acórdão n.º 539/2015, sublinhando a presença fundada de uma responsabilidade grupal e partilhada de operadores da cadeia alimentar com uma determinada escala, que não se confunde com o próprio sistema interno de controlo dos produtos que comercializam, em termos que mantêm atualidade:

«No caso, e como já se deixou entrever, a contribuição em causa é receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, o qual tem uma intervenção transversal em todas as fases da cadeia alimentar, financiando os custos dos programas e ações oficiais de controlo de segurança e qualidade alimentar desenvolvidos por diversas entidades públicas, no quadro geral de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores, pelo que o conjunto de prestações administrativas que lhe cabe financiar, como já acima dissemos, acaba por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo dos produtos que comercializam.

E, conforme foi enunciado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a criação da “taxa de segurança alimentar mais” pretendeu dar concretização ao princípio da responsabilidade partilhada na garantia da segurança alimentar entre os diversos operadores económicos, tendo em linha de conta que se encontram já instituídas taxas destinadas a suportar financeiramente atos de verificação e controlo que incidem sobre produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal, e outras taxas, que são cobradas a produtores, distribuidores e comerciantes, para verificação da conformidade dos alimentos para animais, de medicamentos veterinários ou de produtos fitofarmacêuticos. E, nesse contexto, a ideia central da criação dessa nova contribuição financeira foi a de estender a um grupo de operadores da cadeia alimentar que não estavam onerados por aquelas taxas, a participação na responsabilidade pelo financiamento dos custos dos controlos oficiais da qualidade dos alimentos.

Na verdade, note-se que além da “taxa de segurança alimentar mais” são também receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais:

- O produto da taxa de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações, aprovada pelos Decretos-Leis n.º 244/2003, de 7 de outubro, 122/2006, de 27 de julho, 19/2011, de 7 de fevereiro, e 38/2012, de 16 de fevereiro, e que incide sobre os estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos (artigo 4.º, n.º 1, a), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- 10% do produto de outras taxas cobradas pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (artigo 4.º, n.º 1, c), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas a cobrar às atividades de produção, preparação e transformação de produtos de origem animal e alimentos para animais, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 178/2008, de 26 de agosto, e disciplinadas pelas Portarias n.ºs 1073/2008, de 22 de setembro, e 1450/2009, de 28 de dezembro, e que incidem sobre os respetivos agentes económicos (artigo 4.º, n.º 2, a), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas devidas pela classificação subjetiva das carcaças de suínos, realizada pelos classificadores que prestam serviço na DGAV, previstas pelo Decreto-Lei n.º 168/98, de 25 de junho, e aprovadas pela Portaria n.º 1419/2008, de 9 de dezembro, e que incidem sobre os proprietários ou responsáveis dos estabelecimentos (artigo 4.º, n.º 2, b), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas devidas pelos atos relativos aos...

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