Acórdão nº 674/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução13 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 674/2019

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), em que é recorrente A. e recorrido o Município do Porto, foi pelo primeiro interposto recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do acórdão proferido por aquele TCAN em 15 de fevereiro de 2019 (cfr. fls. 387-396 com verso), no qual se acordou em negar provimento ao recurso.

3. Na Decisão Sumária n.º 618/2019 (cfr. fls. 418-435), decidiu-se que, faltando a observância de vários pressupostos, essenciais e cumulativos, de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não se podia conhecer do objeto do recurso. Isto, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, n.º 4 e ss., em especial 6 e ss.):

«6. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (supra transcrito em I, 2.) e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelos recorrentes no seu requerimento de interposição de recurso (cfr. idem) e que fixa o respetivo objeto – in casu, o acórdão do TCAN de 15/02/2019 (fls. 387-396 com verso), que julgou improcedente o recurso interposto do acórdão proferido em 30/09/2014 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (a fls. 252-266), o qual, por seu turno, julgou improcedente a ação administrativa especial intentada pelo ora recorrente contra o Município do Porto, ora recorrido.

7. De acordo com o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, são três as questões de constitucionalidade submetidas pelo recorrente à apreciação do Tribunal Constitucional:

i) A primeira questão, enunciada pelo recorrente a partir da alegação da «falta de fundamentação de direito e da fundamentação contraditória do acto administrativo», consiste na invocação da inconstitucionalidade, «por violação do art. 268°, n.º 4, da CRP, [d]a interpretação feita no Acórdão de 1ª Instância, dos arts. 124°, n° 1, al. a) e 125°, nºs 1 e 2, do CPA aplicável, no sentido de entender que esses dispositivos consentem um acto administrativo omisso quanto ao quadro legal de que resultaria a obrigatoriedade de licença para funcionamento de um estabelecimento, que se acusa de inexistente, como de um acto administrativo cuja fundamentação é a existência de obras ilegais, feitas pelo senhorio de um prédio, e que aponta para a intimação desse senhorio para reposição da situação anterior àquelas obras, mas, depois, contraditóriamente, determina ao arrendatário daquele prédio, a cessação da sua utilização com do estabelecimento que aí instalou.»;

ii) A segunda questão, «consistente na falta de justiça, de imparcialidade, e de proporcionalidade do acto administrativo», «por violação do art. 266°, n° 2, da CRP» é dirigida à «interpretação feita no Acórdão de 1ª Instância, dos arts. 5°, nº 2, e 6° do CPA aplicável, no sentido de entender que esses dispositivos consentem um acto administrativo cuja fundamentação é a existência de obras ilegais, mas consistente na cessação de utilização do espaço por quem para elas não concorreu que é o único prejudicado por esse acto, sendo até eventualmente pelo mesmo beneficiado o autor daquelas obras, e sendo que existem outros actos administrativos adequados à reposição da legalidade urbanística, como a imposição ao autor das obras da realização do necessário ao retorno à situação anterior.»;

iii) A terceira questão, «consistente na violação do princípio da livre iniciativa e da propriedade privada» (artigos 61.º e 62.º da Constituição) tem por objeto «a interpretação feita no Acórdão de 1ª Instância, do art. 109° do RJUE, no sentido de permitir a compressão do direito de iniciativa privada quanto à criação e exploração do estabelecimento e do direito de propriedade quanto à propriedade desse estabelecimento sem razão legalmente admissível.».

8. Com interesse para o caso sub judice retira-se dos autos o seguinte:

8.1 O ora recorrente intentou uma ação administrativa especial no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) contra o Município do Porto (cfr. fls. 3-14), pretendendo ver anulado o despacho do Vereador com o Pelouro da Proteção Civil, Fiscalização e Juventude de 19/03/2012, pelo qual lhe foi ordenada a cessação da utilização do espaço em que tem instalado um estabelecimento de bebidas, tendo a ação sido julgada improcedente pelo TAF do Porto em acórdão datado de 30/09/2014 (a fls. 252-266).

A primeira questão colocada ao TAF do Porto expressa a discordância do recorrente relativamente ao grau de fundamentação do ato administrativo praticado pelo Vereador da Câmara Municipal do Porto, pelo qual lhe foi ordenada a cessação da utilização do espaço onde tem instalado um estabelecimento de bebidas, impugnado pelo ora recorrente no âmbito da ação administrativa especial intentada no TAF do Porto). O Tribunal, em 1ª instância, no Acórdão de 30/09/2014, concluiu pela improcedência do vício de forma do referido ato administrativo, considerando não terem sido desrespeitados os artigos 124.º e 125.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), por falta ou insuficiência da fundamentação, como invocado pelo ora recorrente (cfr. Acórdão do TAF do Porto, fls. 257-259).

A segunda questão apreciada pelo Tribunal corresponde à invocação, pelo ora recorrente, da violação dos princípios da proporcionalidade, justiça e imparcialidade (artigos 5.º, n.º 2 e 6.º do CPA), violação imputada à decisão administrativa então impugnada, o que foi julgado improcedente no acórdão de 1ª instância do TAF do Porto, por considerar que a «medida administrativa censurada nos autos se afigura como a única forma para assegurar a reposição da legalidade urbanística» e por entender que «face à natureza do acto administrativo em crise (…) não se tem por demonstrada a violação dos princípios da proporcionalidade, da imparcialidade e da justiça» (cfr. Acórdão de 30/09/2014, fls. 262 e fls. 263, respetivamente).

A última questão apresentada pelo ora recorrente corresponde à invocação, junto do TAF do Porto, da nulidade do ato administrativo então em crise, por ofender o conteúdo essencial dos direitos fundamentais de iniciativa privada e de propriedade (artigos 61.º e 62.º, CRP), em aplicação do disposto no artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA. O TAF do Porto concluiu que o ato administrativo em causa não tinha violado os direitos fundamentais invocados, considerando também que, no caso, a atividade exercida carecia de autorização legal, pelo que «nem sequer se pode falar na violação de um direito fundamental, como é o caso do direito à iniciativa privada previsto no artigo 61º da CRP, dado que a protecção deste só funciona no contexto da legalidade» (cfr. Acórdão de 30/09/2014, fls. 265).

8.2 Inconformado com a decisão judicial em causa, o ora recorrente interpôs recurso para o TCAN, concluindo o seguinte (cfr. alegações de recurso para o TCAN, fls. 304-324, fls. 320-324):

«EM CONCLUSÃO:

1. Num quadro de sucessão de diversos diplomas legais devidamente identificados no texto, alguns dos quais substituem a licença de utilização do edifício pelo alvará de funcionamento do estabelecimento e outros dos quais substituem esse alvará por declaração prévia, dizer-se, como se diz na fundamentação do acto administrativo impugnado, que o estabelecimento funciona sem a necessária autorização de funcionamento, é omitir totalmente a fundamentação jurídica para essa necessidade.

2. Não basta a referência ao art. 109º do RJUE que permite ao Presidente da Câmara determinar a cessação de utilização do edifício que seja ocupado sem licença ou autorização de utilização, pois, no contexto referido, é impossível ao destinatário da notificação do acto saber que violação de que dispositivo legal lhe é imputada e que permita esse sancionamento.

3. Ficou, assim, o destinatário do acto administrativo impugnado sem conhecer a sua motivação concreta, sem poder decidir em consciência se haveria de aceitar o acto em causa ou se o haveria de impugnar.

4. Pelo que é insuficiente a fundamentação.

5. Parte muito significativa da fundamentação do acto administrativo impugnado em pormenor explicitada no texto vai no sentido de que o problema afinal não é o do funcionamento do estabelecimento em causa sem autorização, mas, antes, o da realização de obras ilegais, pelo que o que está em causa é a realização de obras que permitam a reposição da legalidade urbanística, as quais é intenção do Município ordenar, sob pena de execução coerciva das mesmas.

6. Pelo que qualquer destinatário normal entenderia que o acto a praticar seria o de ordenar a realização dessas obras.

7. E tanto eram as obras o problema que foram a única razão para o indeferimento do pedido de autorização para localização do estabelecimento, que, quando foi apresentado pelo Contra-Interessado o pedido de licenciamento das obras ilegais com vista à obtenção de autorização para a actividade de bebidas, foi, na sequência de pareceres externos e dos serviços da CMP, aprovado o respectivo projecto de arquitectura, e que o R., aqui...

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