Acórdão nº 661/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução13 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 661/2019

Processo n.º 899/2018

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), em que é recorrente A. e recorrido B., Lda., foi pelo primeiro interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do número 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal da Relação, em 11 de setembro de 2018, que julgou inadmissível o recurso então interposto.

2. No que releva para o presente recurso, inicialmente o ora recorrente apresentou, no juízo de execução, reclamação de nota discriminativa e justificativa de custas de parte por não concordar com o teor dos valores contabilizados. Tendo a mesma sido indeferida por despacho de 11 de outubro de 2016, interpôs recurso deste, que foi julgado legalmente inadmissível, por despacho de 23 de junho de 2017, em razão de o valor da nota de custas atacada ter um valor de €2.723,40, sendo, por isso, inferior ao montante correspondente à 50 UCs – que equivale ao total de €5.100,00 – e que consiste no limiar mínimo estabelecido pelo artigo 33.º, n.º 3, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, para a recorribilidade nesta matéria.

3. Não se conformando, interpôs recurso para o TRC em que questionou a legalidade e a constitucionalidade do referido dispositivo por violação da competência legislativa da Assembleia da República e do acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva. Por meio de decisão singular, proferida em 15 de maio de 2018, concluiu-se que não houve ofensa no plano da legalidade e que inexistem as invocadas inconstitucionalidades e, assim, não se admitiu o recurso.

4. Perante tal decisão, o ora recorrente apresentou reclamação para a conferência do TRC, alegando, em síntese, no plano da constitucionalidade, que a matéria relativa às custas de parte tem “natureza restritiva do direito fundamental de acesso aos tribunais” e, por esse motivo, “deve ser regulada por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei autorizado, por força do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da CRP” e também “deve respeitar a reserva de lei, constante do artigo 18.º, n.º 2, da CRP” (fls. 41). Além disso, sustentou que a norma em questão fere o “direito ao processo equitativo” consagrado no artigo 20.º da Constituição (fls. 41, verso).

Nesta sequência, o TRC, em conferência, concluiu, no acórdão de 11 de setembro de 2018, que não se verifica a violação dos preceitos constitucionais invocados, “uma vez que não se trata de matéria de competência da Assembleia da República (nem absoluta, nem relativa – cf. artigos 164.º e 165.º, da CRP). Bem como não se mostra violado o artigo 20.º da CRP”.

E prossegue aquele decisum a quo:

“Não está em causa impedir o acesso ao direito e aos tribunais, mas apenas e tão só o de regular o modo como o mesmo se processa. O legislador ordinário fixa os termos e condições em que tal direito é exercido – sendo inconstitucionais as normas que o impeçam ou dificultem – sendo lícita (e generalizada) a prática de delimitar os termos de recorribilidade de uma decisão judicial, para um tribunal superior – de acordo com o valor dos interesses/questão em apreciação” (fls. 74, verso).

Com isso, o acórdão julgou inadmissível o recurso em causa.

Notificado desta decisão de indeferimento, vem o recorrente interpor o presente recurso de constitucionalidade.

5. O respetivo requerimento de recurso contém o seguinte (fls. 79-85):

«A., recorrente melhor identificado nos autos de processo à marguem mencionados, em que é recorrida B., LDA., também aí melhor identificada, notificado do Acórdão de 11 de Setembro de 2018 que julgou inadmissível o recurso interposto em função do que se indeferiu a reclamação apresentada vem, por não se conformar, interpor recurso através do presente

REQUERIMENTO DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSO JUNTO DO

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Ao abrigo dos artigos 70º, n.º 1, al. b) e n.º 2. 71º, n.º 1, al. b) e 2, 72º, n.º 1, al. b) e n.º 2, 75º e 75º-A, n.º 1 e 2, todos da Lei nº 28/82 com as alterações introduzidas pela Lei nº 85/89 de 7/09, para o que junta o respetivo requerimento. em virtude da inconstitucionalidade da norma que se identifica e subjacente à interpretação e decisão dada ao presente caso sub judice, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, junto dos quais os vícios foram invocados, dando-se assim, para os devidos efeitos, por reproduzidos os respetivos fundamentos e conclusões aí apresentados.

EXMOS SENHORES

JUIZES DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

A., na qualidade de recorrente nos autos à margem referenciados, não se conformando com o Acórdão proferido pelos Juízes Desembargadores que compõem o Tribunal da Relação de Coimbra, 1ª Secção, em 11/09/2018, vem interpor recurso através do presente requerimento, junto do Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 70º, n.º 1, al. b) e n.º 2, 71º, n.º 1, al b) e 2, 72º, n.º 1, al. b) e n.º 2, 75º e 75º-A, n.º 1 e 2, todos da Lei nº 28/82 com as alterações introduzidas pela Lei nº 85/89 de 7/09 , em virtude da inconstitucionalidade da norma que se identifica e subjacente à interpretação e decisão dada ao presente caso sub judice, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, junto dos quais os vícios foram invocados aquando da reclamação dada aos autos ao abrigo do art. 643º do CPC, dando-se assim, para os devidos efeitos, por reproduzidos os respetivos fundamentos e conclusões aí apresentados.

Neste sentido, considera-se inconstitucional,

- a interpretação do art. 33º, n.º 3 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra sobre a reclamação que decidiu que "cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC", assim considerando que tal norma não infringe quaisquer disposições ou princípios constitucionais, nomeadamente, as disposições e os princípios indicados pelo recorrente.

Ora.

O recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que foi indeferido, sendo que desse despacho apresentou reclamação por apenso, devidamente instruída nos termos do art. 643º, nº 3 do CPC.

Por despacho do Juiz Relator do Tribunal da Relação de Coimbra foi indeferido o requerimento de reclamação, sobre o qual se requereu que recaísse um acórdão submetendo-se o processo, para o efeito, à conferência por se entender que o recurso referente à nota de custas de parte não está sujeito às exigências de valor fixadas no art. 629º, nº 1 do CPC até porque, de forma similar, a decisão que condene em multa está também ela consagrada no mesmo segmento da alínea e) do n.º 2 do art. 644º do CPC e o RCP impede expressamente que a multa ascenda ao valor de sucumbência fixado em tal norma.

A este propósito deve atender-se conjugadamente ao disposto nos artigos 27º, nº 2 e nº 6 do RCP e aos artigos 629º, nº 1 e 644º. nº 2, al. e) do CPC para se obter uma interpretação que tenha em conta a unidade do sistema jurídico, uma vez que se afigura indubitável que o legislador pretendeu manter a possibilidade de recurso das decisões que aplicam multas ou cominam outra sanção processual e manteve no novo CPC a norma do art. 644º, nº 2, al. e), com nova formulação para abranger quer a multa quer outra sanção processual - e tal interpretação não pode deixar de ser a de não sujeitar o recurso de multas e outras sanções às exigências do valor da ação e da sucumbência previstas no artº 629º, nº 1, do CPC, tal como sucede na litigância por má-fé.

Ora, o fundamento do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra estriba-se na inexistência de contradição entre o art. 33º, n.º 3 da Portaria e o artigo 644º. n.º 2, al. e) e g) do CPC pois "aqui apenas se regulam os casos designados como de "apelação autónoma", uma vez que as demais, nos termos do seu n.º 3, só podem ser intentadas com a decisão que ponha termo à causa".

Mas dali não resulta que o recurso seja sempre admissível, mas apenas que, quando o for, é o respetivo regime o consagrado no n.º 2.

Uma das questões prévias da admissibilidade de recurso é, por exemplo, a de que a questão a apreciar tenha valor para tal - artigo 629º, n.º 1, do CPC, apenas a isso constituindo exceção os casos previstos nos seus números 2 e 3, o que não é o caso.

Assim, não se verifica a aludida contradição entre o supra referido artigo 33º, n.º 2 e o 644º do CPC."

Por conseguinte, a decisão proferida fez depender o recurso da verificação dos pressupostos ínsitos no art. 629º do CPC para assim indeferir o recurso interposto.

A entender-se como aludido no acórdão proferido, tal equivaleria à completa impossibilidade de recurso, uma vez que se mostra legalmente impossível a existência de multa ou taxa sancionatória excecional (nelas se incluindo as custas de parte) que atinja o referido montante aludido no art. 629º dado que, como resulta do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 27º, a multa ou penalidade só pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC, ou seja, a um valor máximo de 1.020.00€, e a taxa sancionatória excecional, nos termos do art. 10.º do RCP, só pode ascender ao máximo de 15 UC, a um valor máximo de 1.530,00€, sendo. pois, tais valores máximos sempre inferiores a metade da alçada da 1ª instância.

Por conseguinte, o recorrente não se conforma com o teor do Acórdão proferido que tem como único fundamento a norma do n.º 3 do artigo 33º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, que considera inconstitucional.

Vejamos,

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