Acórdão nº 56/20 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 56/2020

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional «nos termos do artº 70º n.1 da LTC» do acórdão proferido pelo STJ em 25 de setembro de 2019 (cf. fls. 2 a 40-verso) que, entre o mais, decidiu rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso interposto pelo arguido e ora recorrente do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (TRP) em 15 de fevereiro de 2019, exceto na parte relativa à decisão sobre a pena única conjunta aplicada aos crimes em concurso, e julgar parcialmente procedente o recurso nesta parte, alterando a decisão recorrida quanto à pena aplicada e, assim, fixar em 8 anos e seis meses de prisão a pena aplicada ao arguido e ora recorrente.

2. O recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente tem o seguinte teor (cf. fls. 44-54):

« A., arguido nos autos à margem referênciados e aí devidamente identificado, não se conformando com o douto acórdão, vem, nos termos do artº 70º n.1 da LTC, dele interpõe RECURSO a ser apresentado no

Tribunal Constitucional,

com efeito suspensivo e subida nos próprios autos (artº 78º n.º 4 da LTC), para tal apresentando o seguinte

Consigna-se que o arguido encontra-se isento da liquidação da taxa de justiça devida pela interposição do presente recurso, artº 4 n.º 1, al)j do RCP e artº 18º n.º 2 ex vi artº 44º n.º 1 da L 34/2004, de 29 de julho – Apoio Judiciário

Exmos Srs Juizes do Tribunal Constitucional

MOTIVAÇÕES

Do cumprimento do Ónus Imposto no artº 412º n.º 3 do CPP, e da equiparação ao regime da prova negativa ou diabólica quando interpretado no sentido de que se tem que transcrever o que não foi dito ou apresentar provas quando o que acontece é a inexitência das mesmas

O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, como aliás o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça resumiu na sua página 62, referindo-se à factualidade dada como provada sob os pontos 17, 19, e 25 no douto acórdão de Sentença em primeira instância referentes ao NUIPC 96/17.6JACBR – Banco B. de Pataias, o douto Acórdão da Relação do Porto afirma: “Muito embora seja perceptível da motivação que o recorrente impugna aqueles factos relativos à sua participação no assalto ao Banco B., a verdade é que não indica as provas que impõem outra convicção, não cumprindo pois o ónus imposto no art.º 412º n,º 3 e 4 do CPP. Assiste pois plena razão ao Sr. Procurador Geral Adjunto quando escreve que o recorrente não especifica as concretas provas que em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.

Ainda que o recorrente refira o depoimento gravado de C., fá-lo apenas para lograr uma diferente integração jurídica dos factos provados, pretendendo ter existido desistência da tentativa, sem em momento algum relacionar tal depoimento com algum concreto facto provado, nem indicar em que diferentes e concretos termos pretende ver alterada a matéria de facto provada.

É pois nesta parte manifestamente improcedente a impugnação pelo que não se conhece da mesma”

É verdade que no seu n.º 3 do artº 412º o CPP cria para o recorrente ónus de “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.”, acrescentando no seu n.º 4 que, “4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

E o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012, de 8 de Março de 2012, publicado no DR, 1ª série, de 18 de Abril de 2012 fixou Jurisprudência no sentido de que “Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta para efeitos do disposto no artº 412º n.º 3, al. b) do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do inicio e termo das declarações”

Acontece que, ao contrário do que sucedeu quanto a outros factos provados, este não é um caso onde, existia prova que conduziria a decisão contrária à proferida, e sim um caso em que não existiu qualquer prova que levasse à conclusão que existia um carro de fuga e por consequência considerar como provados os factos supra referidos.

Perante esta situação, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça com os fundamentos que se seguem, tendo o douto acórdão, na sua pagina 64, não conhecido da questão por considerar ser para ele irrecorrivel nesta parte, por as penas aplicadas a cada crime serem inferiores a 5 anos, limitando o recurso à apreciação da pena única aplicável e dando provimento parcial ao recurso nessa parte.

Estando agora esgotadas as instancias de recurso Ordinário, vimos agora recorrer da douta decisão do Tribunal da Relação por considerarmos que a interpretação dada pelo mesmo ser inconstitucional.

Sendo impossível transcrever o que não foi dito, o recorrente considera que cumpriu o ónus de especificação consignado no artº 412º do CPP quando nos pontos 17, 18 e 19 da motivações de recurso afirmo que 17º - No âmbito deste assalto nem sequer é alguma vez referida a existência de um veículo de fuga.”, “18º - Este facto, mas o facto de o modus operandi deste assalto ser bastante diferente, nomeadamente, ser a uma agência bancária e não a um posto dos ctt como nos outros e serem 3 assaltantes dentro do edificio e não dois como nos outros deveria ser o bastante para absolver o arguído dos seis crimes de roubo agravado, na forma tentada em que foi condenado.” , “19º - Alías mesmo que se considere haver suficientes provas para condenar os outros arguídos pela pratica dos factos referentes a estes assaltos, tal deveria sim, ter indiciado a suspeita de que o terceiro membro deste assalto (que em nada corresponde à descrição do arguído A.) seria o condutor dos veículo de fuga existente nos outros assaltos e inexistente neste, nunca para condenar o arguído A. por ser o condutor de um veiculo de fuga cuja existencia nem sequer se provou ou indiciou.”

Assim como o fez quando no ponto 38 n.º 2 das motivações ao afirmar que “de no assalto ao banco B., além de não ter sido visto qualquer veículo de fuga pelas testemunhas, tal assalto ter um modus operandi, com um terceiro elemento, que facilmente poderia ter sido o condutos nos outros assaltos,”

O único modo de especificar, mais do que o que foi feito no recurso efectuado para a Relação, a prova concreta e as passagens dos testemunhos que levassem a conclusoes diferentes da tomadas pelo Tribunal de Primeira Instância, num caso em que tal prova é inexistente, seria transcrever as declarações de todas as testemunhas na integra. O que na modesta opinião do aqui recorrente seria impor um ónus excessivo e kafkiniano ao recorrente em tudo equivalente à prova negativa/impossivel.

Quanto a este assunto da prova negativa, e a titulo exemplificativo o Tribunal Central Administrativo, no seu acórdão de 10/03/2016, referente ao processo n.º 12843/15 diz o seguinte sobre o ónus da prova “II – O ónus da prova, que não se confunde com um dever de provar, é um instituto de direito material regulado nos artigos 342º ss do Código Civil atual, que pode ser definido como a regra de julgamento da causa segundo a qual, num contexto processual onde sobressaem os princípios do inquisitório (artigo 411º do Código de Processo Civil) e da aquisição processual (artigo 413º do Código de Processo Civil), a parte (autor ou réu) que invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de não serem adquiridos no processo os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, são idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada, ficando, assim, essa parte processual sujeita à improcedência da sua pretensão no caso de insuficiência da aquisição processual dos factos fundamentadores da situação jurídica invocada;” […]

“XIV – Seria injusto, “diabólico” e inconstitucional, por violação da máxima constitucional da Proporcionalidade, que a lei (por exemplo, o Código Civil, a Lei da Nacionalidade ou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa) ou que a jurisprudência onerassem os autores de processos jurisdicionais com o peso de uma prova impossível de factos ou com o ónus da prova de “factos negativos indeterminados ou indefinidos”, como é o caso de uma eventual factualidade negativa subjacente à inexistência de uma ligação qualificada (efetiva) à comunidade nacional portuguesa;

XV - Interpretar dessa forma a al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade e os artigos 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966 constituiria um mecanismo de predeterminação sistemática de insucesso de uma parte processual em favor da outra, a que nenhum legislador ou tribunal pode hoje dar cobertura, o que, ademais, seria (i) assistemático do ponto de vista infraconstitucional (cfr. artigo 9º, nº 1, do Código Civil), bem como (ii) desrespeitador dos Princípios Constitucionais da Proporcionalidade e da Tutela Jurisdicional Efetiva;

XVI - O legislador do ónus da prova (através dos injuntivos artigos 342º ss do Código Civil) e os tribunais...

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