Acórdão nº 105/20 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 105/2020

Processo n.º 967/2019

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Notificados da decisão sumária n.º 782/2019, dela vieram os recorrentes A. e B. reclamar para a Conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC).

2. Releva para a apreciação da presente reclamação que o recurso de constitucionalidade é incidente de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, interposto pelos aqui reclamantes, sustentando estes a existência de oposição entre os entendimentos normativos adotados nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) proferidos em 14 de junho de 2018 (nos presentes autos; acórdão-recorrido) e em 26 de maio de 2015 (acórdão-fundamento).

Por decisão singular do relator no STJ, proferida em 25 de março de 2019, foi decidido rejeitar liminarmente o recurso, com fundamento na inexistência de contradição de julgados. Apresentada reclamação para a conferência, o STJ, por acórdão proferido em 6 de junho de 2019, indeferiu a reclamação, mantendo o sumariamente decidido.

3. Deste último acórdão interpuseram os recorrentes o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, conformando nestes termos a sua pretensão:

«18. No recurso de uniformização de jurisprudência interposto pelos ora Recorrentes em 21/09/2018, foi invocada a inconstitucionalidade do acórdão de revista proferido pelo STJ em 14/06/2018,

19. Com efeito, a interpretação do disposto no artigo 2.º, alínea a) do Regime Jurídico da adoção (RJPA), aprovado pela Lei 143/2015, de 8 de setembro, no sentido de negar a revisão e confirmação da adoção plena e legalmente decretada em Guiné Bissau quando os adotantes têm residência habitual tanto no seu país de origem, Portugal, como no país da nacionalidade e residência dos adotados, é não só ilegal, por violação do disposto no artigo 82.º, n.º 1 do Código Civil (CC), como manifestamente inconstitucional por violação do disposto no artigo 36.º, n.ºs 1 e 7 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

(…)

23. Ora, ao decidir como no acórdão recorrido, violou o Tribunal recorrido a quo as acima indicadas normais legais e constitucionais, tendo negado aos adotantes, ora Recorrentes, o direito a constituir família, à luz do ordenamento jurídico português e aos adotados a mencionada tutela da constituição de uma relação jurídica de adoção.

(…)

26. Verifica-se, pois, a inconstitucionalidade da interpretação da Lei do Regime Jurídico do Processo de Adoção (RJPA), segundo a qual um cidadão português ou um casal de cidadãos portugueses não pode adotar uma criança, nascida, conhecida por eles na sua terra de origem, a Guiné Bissau, quando lá residiam legalmente, em Catió, na Guiné Bissau, senão ao abrigo da Lei do RJPA, que se lhes não aplica, por o processo de adoção nada ter a ver com esse RJPA, não ser uma adoção internacional tal como definida na Lei. E uma vez decretada a adoção, na Guiné Bissau, segundo a lei da Guiné Bissau, que não é Parte da Convenção relativa à proteção das crianças e à cooperação em matéria de adoção internacional, concluída em Haia em 21/05/1993 a que Portugal aderiu, transposta para a Lei 143/2015, de 8 de setembro, que fixou o Regime Jurídico do Processo de Adoção Internacional, e que recusa o efeito da adoção feita por um casal de cidadão portugueses aí residentes (também) ao proibir que os filhos adotivos com eles seus pais entrem em Portugal nessa qualidade, e aqui sejam como tal registados e protegidos pela lei com todos os direitos inerentes.

27. Recusando o reconhecimento da sentença por dizerem que o Tribunal da Guiné Bissau é incompetente para atribuir a adoção em conclusão de um processo de adoção de duas crianças nascidas na Guiné Bissau, dois anos e meio e três anos e meio, por um casal de portugueses residente em Catió e no Porto ou em Matosinhos ou onde for.

28. Ao restringir o direito do casal de portugueses a adotar segundo a lei da Guiné Bissau, em processo da Guiné Bissau, no Tribunal da Guiné Bissau, de duas crianças aí nascidas e residentes por eles terem também residência aí e em Portugal, significa uma restrição absolutamente inaceitável do direito de cidadãos portugueses a exercerem o direito fundamental a adotar no estrangeiro, onde residem segundo a lei local, o processo local ainda para mais de um país da CPLP com o qual Portugal tem até acordo especial de reconhecimento das decisões judiciais.

29. Acresce que, a decisão recorrida, é ainda inconstitucional, por entender que deverá ser um órgão administrativo - a Autoridade Central - a rever e confirmar uma decisão judicial.

30. Com efeito, é inconstitucional a aplicação feita pelo STJ, do disposto no artigo 90.º, n.º 3 da Lei 143/2015, de 8 de setembro, quando interpretado no sentido de que deverá ser um órgão administrativo do Estado (a Autoridade Central da Segurança Social) a rever e confirmar uma sentença judicial de adoção, por violação do disposto nos artigos 2.º e 111.º da CRP.

31. Relativamente à legitimidade do Ministério Público, veio o Tribunal recorrido reforçar a defesa da sua competência para recorrer "pela existência de dois incapazes por menoridade - artigo 3.º, n.º 1 alínea a) do EMP."

32. Refere o artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do EMP, "1 - Compete, especialmente, ao Ministério Público: a) Representar o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta";

33. Acontece que a intervenção do Ministério Público deve, em cada processo, centrar-se no interesse que defende - cfr. artigo 5.º, n.º 1, alíneas c) do EMP, "O Ministério Público tem intervenção principal nos processos: c) Quando representa incapazes, incertos ou ausentes em parte incerta;"

34. Neste caso, se a sua legitimidade para recorrer advém de agir em representação e no interesse dos dois menores, não poderia nunca o Ministério Público agir contra os próprios menores que representa.

35. Assim, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 219.º, n.º 1 da CRP, o artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do EMP, quando interpretado no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para interpor recurso, mesmo que contra os interesses do menor que representa ou alega representar para ter legitimidade para recorrer.

36. Acresce que, entretanto tiveram os Recorrentes conhecimento de várias outras sentenças de adoção proferidas na Guiné-Bissau, com base em factos idênticos aos da adoção decretada a favor do adotantes, aqui Recorrentes, que já foram reconhecidas pelo Tribunal Relação de Coimbra e sem qualquer objeção do Ministério Público (cfr. acórdãos que se protestam juntar).

36. Assim, ao tratar de forma desigual situações factual e juridicamente iguais, violou o acórdão recorrido o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º, n.º 1 da CRP que estipula que "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei."»

4. A decisão sumária reclamada concluiu pelo não conhecimento do recurso, por inidoneidade do seu objeto e, subsidiariamente, por inutilidade do respetivo conhecimento. Lê-se na mesma:

«5. Como emerge do enunciado transcrito, é manifesto que as questões formuladas não comportam verdadeiro questionamento normativo, dirigido a controlar a conformidade de um ato do poder normativo com parâmetros constitucionais; antes, resulta do requerimento de interposição de recurso que os recorrentes procuram verdadeiramente a sindicância do mérito da decisão judicial. Decisão essa que, ademais, nem corresponde à decisão ora recorrida, mas ao acórdão proferido pelo STJ em 14 de junho de 2018, que lhes negou a revista, ao qual imputam expressamente a violação de princípios constitucionais. Ora, conformando-se os recursos de fiscalização concreta como recursos normativos, no sentido de visarem a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas, e não das decisões judiciais em si mesmas consideradas, não cabe nos poderes do Tribunal Constitucional apreciar a correção hermenêutica do entendimento firmado pelo tribunal e a bondade do resultado aplicativo do direito infraconstitucional.

6. Para além disso, mostra-se patente que o conhecimento do recurso não reveste utilidade, por insuscetível de determinar a reversão da decisão impugnada, por se manter intocado o efetivo fundamento em que assenta, já que o acórdão recorrido, ao indeferir a reclamação, mantendo a decisão que rejeitou liminarmente o recurso para uniformização de jurisprudência, limitou-se a aplicar, como...

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