Acórdão nº 95/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 95/2020

Processo n.º 1235/2019

Plenário

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Eusébio Cruz Silva, José Brito Faria, João Paulo Silva Ferreira e João Macedo Lourenço impugnaram, junto do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 103.º-D da LTC, as deliberações da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista que determinaram a respetiva expulsão de militantes do indicado partido político.

2. Por via do Acórdão n.º 690/2019, da 1.ª secção, foram julgadas improcedentes as impugnações. Nesse aresto, em matéria de direito, começou-se por salientar o princípio reitor da intervenção do Tribunal Constitucional em sede de contencioso dos partidos políticos, incluindo os casos de impugnação de deliberações punitivas (com referência ao Acórdão n.º 590/2014, proferido justamente nesse âmbito), e apreciar um conjunto de questões prévias suscitadas pelos impugnantes (sem relevo para o presente recurso, atento o seu objeto). Sobre o mérito, fundamentou-se nestes termos a decisão:

«[...] [Q]uanto ao mérito, em bom rigor, as partes não disputam a matéria de facto: todos admitem que os Impugnantes, sendo militantes do Partido Socialista, se candidataram, nas eleições autárquicas, em listas de cidadãos não apoiados pelo Partido Socialista.

Não cabe ao Tribunal Constitucional apurar se as penas são adequadas à gravidade das infrações, pois tal (re)apreciação ultrapassaria o âmbito da intervenção mínima que rege a intervenção jurisdicional nesta sede.

Por esse motivo, não há que apreciar a matéria contida nos artigos 1 a 45 da impugnação conjunta.

De todo o modo, é evidente que a factualidade em causa de se enquadra na infração estatutariamente prevista (artigo 13.º, n.º 3, dos Estatutos do Partido Socialista: “considera-se igualmente falta grave a que consiste em integrar ou apoiar expressamente listas contrárias à orientação definida pelos órgãos competentes do Partido, inclusiva, nos atos eleitorais em que o PS não se faça representar”.»

3. Inconformados, dela vieram os impugnantes interpor recurso para o Plenário, ao abrigo do disposto no artigo 103.º-C, ex vi artigo 103.º-D, n.º 3, da LTC. Terminam as suas alegações (em peça conjunta) com a seguinte síntese conclusiva:

«1. O presente recurso pretende sindicar a matéria objeto do acórdão proferido pela 1ª secção deste Tribunal.

2. Os fundamentos que levaram o PS a expulsar os aqui recorrentes não podem proceder num país democrático como é Portugal. Desde logo porque o Partido Socialista local, em Barcelos, não queria o candidato a Presidente da Câmara em causa.

3. Nesta situação, quem incumpriu os valores do Estatuto do Partido Socialista, foi o próprio partido. Desde logo com o artigo 1.º que estabelece que o partido é uma organização política com empenho na construção de uma sociedade igualitária.

4. E violou o artigo 9.º al. h) ao permitir que um militante que indicava não ter "elevado sentido de responsabilidade no exercício de qualquer atividade profissional, sindical, associativa, cívica ou pública" fosse novamente candidato pela lista do PS.

5. Por esse motivo, enquanto a norma a que V/Exas. se reportam no acórdão proferido for interpretada no caso em concreto como tenha existido com o movimento BTF uma lista contrária aos princípios do Partido Socialista, mal anda a democracia portuguesa - em especial, a democracia local, regional.

Termos em que,

Deve o presente recurso ser procedente, por provado, cumprindo-se assim a almejada JUSTIÇA!»

4. Notificado, o Partido Socialista apresentou contra-alegações, defendendo improcedência do recurso:

«[...]

4.º São os próprios impugnantes que afirmam ter integrado no ano de 2017 uma lista concorrente ao PS nas eleições autárquicas de 2017, pelo movimento «Barcelos Terra de Futuro – BTF».

5.º E com efeito, tal comportamento representa uma grave violação dos deveres de disciplina partidária, constituindo infração grave na previsão do disposto no artigo 13.º, n.º 4 dos Estatutos do Partido Socialista, tal como consta dos autos, de forma precisa e clara.

6.º Pelo que, andou bem o Tribunal ao quo ao decidir como decidiu»

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

5. Nos termos do n.º 8 do artigo 103.º-C, ex vi nº 3 do artigo 103.º-D, ambos da LTC, a cognição cometida ao Plenário, em sede de recurso de Acórdão sobre impugnação deduzida por militante de partido político tendo por objeto decisões punitivas dos respetivos órgãos partidário, restringe-se à matéria de direito. Encontram-se, então, por força de tais normativos, definitivamente assentes os fundamentos de facto exarados no Acórdão n.º 690/2019, cujo teor foi o seguinte:

5.1. Factos pertinentes ao impugnante Eusébio Cruz Silva:

«A) O Impugnante é o militante do Partido Socialista n.º 20352.

B) Nas eleições autárquicas de 2017, realizadas a 1 de outubro desse ano, o Impugnante integrou uma lista de cidadãos que se candidatou à Assembleia Municipal de Barcelos, com a designação “Barcelos Terra de Futuro (BTF)”.

C) A referida lista foi opositora do Partido Socialista nas eleições autárquicas de 2017.

D) Os factos referidos em “B)” e “C)” originaram um procedimento disciplinar do Partido Socialista, com o n.º 116/2019, no qual é visado o ora Impugnante.

E) O Impugnante foi notificado, por carta de 22/11/2017 da Comissão Permanente do Partido Socialista, da intenção de suspensão preventiva para, querendo, se pronunciar quanto à mesma.

F) A Comissão Política Nacional do Partido Socialista, em 12/12/2017, deliberou no sentido da suspensão preventiva da condição de militante do Impugnante, após o que a Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista, em 19/12/2017, ratificou essa deliberação.

G) Em 23/01/2019, o Impugnante dirigiu à “Comissão de Jurisdição” um recurso da deliberação que determinou a sua suspensão preventiva.

H) Foi deduzido contra o Impugnante despacho de acusação datado de 04/02/2019 [...].

I) Este despacho foi notificado ao Impugnante por carta registada com aviso de receção expedida em 05/02/2019 e recebida em 11/02/2019.

J) O Impugnante remeteu a sua defesa por carta registada em 20/02/2019 e recebida pelo Partido Socialista em 21/02/2019, ali invocando a nulidade do despacho de acusação e a caducidade do procedimento disciplinar e, bem assim, impugnando a adequação da sanção proposta de expulsão.

L) A Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista deliberou, em 14/03/2019, a expulsão do Impugnante, “por violação das disposições combinadas dos artigos 13.º, n.º 3 (anterior artigo 14.º) dos Estatutos do Partido Socialista, com os artigos 10.º, n.º 3, e 19.º, n.º 2, do Regulamento Processual e Disciplinar do Partido Socialista”. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

[Fundamentação de facto]

Da prova documental dos autos resulta inequivocamente ficou provado que [o arguido], nas eleições autárquicas realizadas no dia 1 de outubro de 2017, integrou a lista denominada “Barcelos Terra de Futuro-BTF”, sendo candidato à Assembleia Municipal de Barcelos.

A referida foi opositora da lista apresentada pelo Partido Socialista a esse ato eleitoral.

[Fundamentação de direito]

A infração imputada ao arguido de integrar nas eleições autárquicas listas contrárias à orientação definida pelos órgãos competentes do Partido Socialista, é qualificada nos termos dos Estatutos como de falta grave, que faz incorrer o faltoso na pena de expulsão do Partido. Na verdade, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 13.º (anterior artigo 14.º) dos Estatutos, considera-se “…falta grave a que consiste em integrar ou apoiar expressamente listas contrárias à orientação definida pelos órgãos competentes do Partido inclusive nos atos eleitorais em que o Partido Socialista não se faça representar”.

“A pena de expulsão só pode ser aplicada por falta grave, nomeadamente o desrespeito aos princípios programáticos e à linha política do Partido, a inobservância dos Estatutos e Regulamentos e das Decisões dos seus órgãos, a violação de compromissos assumidos e, em geral, a conduta que acarrete sério prejuízo ao prestígio e ao bom nome do Partido” (n.º 2 do artigo 13.º dos Estatutos).

De acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 13.º dos Estatutos, é à Comissão Nacional de Jurisdição que compete aplicar a pena de expulsão aos militantes que integrem ou apoiem listas contrárias à orientação definida pelos órgãos competentes do Partido Socialista.

Ora,

Nos presentes autos ficou provado que o militante/arguido, inscrito na área da concelhia de Barcelos com o número 20352, integrou a lista de candidatos denominada “Barcelos Terra de Futuro-BTF”, à Assembleia Municipal de Barcelos, às eleições autárquicas, realizadas no passado dia 1 de outubro de 2017, contra uma lista apresentada pelo Partido Socialista.

Estes factos constam expressamente do despacho de acusação oportunamente notificado ao arguido, despacho esse que, conforme o respetivo teor, contém expressa indicação da identidade do arguido, dos factos e infrações que lhe sã imputados, a sua localização no tempo em que ocorreram, as normas violadas, os respetivos meios de prova, bem como lhe foi fixado de defesa, tudo conforme decorre do disposto no artigo 34.º, n.º 1, do RPDPS.

Razão porque é de meridiano entendimento que o despacho de acusação contém todos os elementos necessários que assegurem a defesa do arguido em relação aos factos que lhe são imputados, como efetivamente sucedeu.

Pelo que, sem mais delongas, não tem razão o recorrente quando alega a nulidade do despacho em causa, que por isso vai indeferida.

Na sua defesa, alega ainda o arguido a caducidade do procedimento...

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