Acórdão nº 199/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução11 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 199/2020

Processo n.º 1141/19

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), a recorrente, ora reclamante, A., insurgiu-se contra o acórdão proferido pelo TCAS, em 17 de outubro de 2019, o qual manteve a decisão de julgar apenas parcialmente procedente a impugnação judicial por ela deduzida contra as liquidações da 1.ª e 2.ª prestações da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), relativas ao ano de 2014, no valor total de 1.557.335,30 Euros.

É essa a decisão visada pelo recurso de constitucionalidade interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, através de requerimento onde se enuncia a seguinte pretensão:

«(…) As normas em causa são os artigos 9.° do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, os artigos 2.°, 3.° e 4.° da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, e o artigo 1.° da Portaria n.º 200/2013, de 31 de Maio.

No entendimento da Recorrente, estas normas violam o Princípio Constitucional da Legalidade Tributária, constante dos artigos 103.°, n.ºs 2 e 3, e 165°, alínea i), da Constituição da República Portuguesa. Para além disso, violam também o Princípio da Igualdade Tributária. Este Princípio é uma decorrência do Princípio geral da Igualdade, vertido no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, e é concretizado quer pelo Sub-Princípio da Capacidade Contributiva quer pelo Princípio da Tributação das Empresas Segundo o Lucro Real. Este último encontra-se plasmado no artigo 104.°, n.º 2, da Constituição.

A questão da inconstitucionalidade dos artigos em causa foi suscitada pela Recorrente na petição inicial que deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa, designadamente nos artigos 69.º a 288.º.

Para além disso, a mesma matéria é tratada nas alegações de recurso apresentadas neste Tribunal Central Administrativo - Sul, concretamente nas páginas 2 a 27 e nas conclusões A a Q.

Aliás, nessas alegações, a argumentação da Recorrente relativa à inconstitucionalidade das normas indicadas é até reforçada com a demonstração das razões pelas quais a jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao tributo aqui em causa (a "Taxa de Segurança Alimentar Mais"), citada pela Sentença de Primeira Instância e pelo Acórdão recorrido, diz integralmente respeito a uma situação de facto, relacionada com determinados sujeitos passivos, que é distinta da situação da ora Recorrente, sendo que esta situação apresenta elementos suscetíveis de alterar o teor da jurisprudência em causa quanto à conformidade constitucional das normas em crise (cfr. o ponto 1 do capítulo B das alegações de recurso- páginas 2 a 15).»

2. Notificada da decisão sumária n.º 20/2020, que decidiu não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, dos artigos 2.°, 3.° e 4.° da Portaria n. ° 215/2012, de 17 de julho, e do artigo 1.° da Portaria n. ° 200/2013, de 31 de maio, e, em consequência, negou provimento ao recurso, vem a recorrente, A., dela reclamar para a Conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC.

A decisão reclamada assenta na seguinte fundamentação:

3. O objeto do presente recurso reconduz-se à conformidade com a CRP das normas de incidência que caracterizam o tributo Taxa Segurança Alimentar Mais. Ora, tais normas foram já repetidamente fiscalizadas por este Tribunal Constitucional, sendo de notar o julgamento proferido pelo Plenário, no Acórdão n.º 539/2015, que decidiu «não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e dos artigos 3.º e 4.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho». Esta orientação jurisprudencial foi posteriormente reafirmada nos Acórdãos n.ºs 544/2015, 564/2015, 565/2015, 566/2015, 568/2015, 602/2015 e 232/2016.

A questão colocada nos presentes autos convoca preceitos normativos adicionais, para além dos referidos no dispositivo dos arestos indicados, designadamente, o artigo 2.º da Portaria n.° 215/2012, de 17 de julho, e o artigo 1.° da Portaria n.° 200/2013, de 31 de maio. Porém, e ao contrário do que afirma a recorrente, tal não constitui dimensão normativa distinta da já analisada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, nem permite a configuração de um sentido normativo específico, que coloque, total ou parcialmente, novo problema de constitucionalidade.

De facto, o artigo 2.º da Portaria n.º 215/2012, de 17 de julho, apenas densifica as regras de incidência que decorrem do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, e o artigo 1.º da Portaria n.º 200/2013, de 31 de maio, estabelece meras regras interpretativas.

4. Além disso, e apesar de a recorrente invocar a existência, no critério normativo efetivamente aplicado na decisão recorrida, de «elementos suscetíveis de alterar o teor da jurisprudência em causa quanto à conformidade constitucional das normas em crise», alegando que a sua situação é distinta da que se verificara nos casos em que foi proferida a jurisprudência citada, não indica, em parte alguma do pedido, quais seriam esses específicos elementos normativos, fundantes de tal conclusão. Seria, em conformidade com o princípio do pedido, ónus seu tal indicação. Todavia, e tal como fez na suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo, do requerimento de recurso apenas consta uma pretensão de apreciação das normas contidas nos preceitos indicados, de acordo com o seu teor literal.

Nestes termos, cabe recordar que as dimensões normativas relativas à finalidade do tributo e sua afetação financeira foram apreciadas no Acórdão n.º 539/2015, tendo então sido sublinhada a existencia de uma responsabilidade grupal e partilhada de operadores da cadeia alimentar com uma determinada escala, que não se confunde com o próprio sistema interno de controlo dos produtos que comercializam, em termos que mantêm atualidade:

«No caso, e como já se deixou entrever, a contribuição em causa é receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, o qual tem uma intervenção transversal em todas as fases da cadeia alimentar, financiando os custos dos programas e ações oficiais de controlo de segurança e qualidade alimentar desenvolvidos por diversas entidades públicas, no quadro geral de proteção da cadeia alimentar e da saúde dos consumidores, pelo que o conjunto de prestações administrativas que lhe cabe financiar, como já acima dissemos, acaba por se projetar positivamente na fiabilidade dos produtos colocados no mercado e na atividade económica dos distribuidores finais que veem dessa forma complementado o próprio sistema interno de controlo dos produtos que comercializam.

E, conforme foi enunciado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho, a criação da “taxa de segurança alimentar mais” pretendeu dar concretização ao princípio da responsabilidade partilhada na garantia da segurança alimentar entre os diversos operadores económicos, tendo em linha de conta que se encontram já instituídas taxas destinadas a suportar financeiramente atos de verificação e controlo que incidem sobre produtores pecuários e os estabelecimentos que laboram produtos de origem animal, e outras taxas, que são cobradas a produtores, distribuidores e comerciantes, para verificação da conformidade dos alimentos para animais, de medicamentos veterinários ou de produtos fitofarmacêuticos. E, nesse contexto, a ideia central da criação dessa nova contribuição financeira foi a de estender a um grupo de operadores da cadeia alimentar que não estavam onerados por aquelas taxas, a participação na responsabilidade pelo financiamento dos custos dos controlos oficiais da qualidade dos alimentos.

Na verdade, note-se que além da “taxa de segurança alimentais mais” são também receitas do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais:

- O produto da taxa de financiamento do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações, aprovada pelos Decretos-Leis n.º 244/2003, de 7 de outubro, 122/2006, de 27 de julho, 19/2011, de 7 de fevereiro, e 38/2012, de 16 de fevereiro, e que incide sobre os estabelecimentos de abate relativamente a bovinos, ovinos, caprinos, suínos e equídeos (artigo 4.º, n.º 1, a), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- 10% do produto de outras taxas cobradas pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (artigo 4.º, n.º 1, c), do Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de junho);

- As taxas a cobrar às atividades de...

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