Acórdão nº 276/20 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto (TRP), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi pelo primeiro interposto recurso (cfr. fls. 98-99), ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), na sequência da prolação de acórdão daquele Tribunal da Relação em 10 de dezembro de 2019 (cfr. fls. 88-92), no qual foi indeferido o requerimento de aclaração do precedente Acórdão de 20 de novembro de 2019, que havia julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido A., ora recorrente, da decisão do Tribunal de primeira instância que determinou o cumprimento pelo arguido de uma pena de 4 (quatro) meses de prisão em que fora condenado pela prática de um crime de descaminho de objetos colocados sob o poder público p. e p. pelo artigo 355.º do Código Penal, decidindo o TRP confirmar a decisão então recorrida.

2. Na Decisão Sumária n.º 202/2020, decidiu-se que, faltando a observância dos pressupostos, essenciais e cumulativos, de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, relativos ao objeto normativo e à ratio decidendi, não se podia conhecer do objeto do recurso. Isto, com os seguintes fundamentos (cfr. II – Fundamentação, n.º 4 e ss.):

«II – Fundamentação

4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal a quo, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – também disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

5. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso e que fixam o respetivo objeto.

Pese embora não seja expressamente dito, do teor do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade resulta que a decisão de que se recorre é o acórdão do TRP que julgou improcedente o recurso interposto pelo arguido, ora recorrente, mantendo a decisão do Tribunal de primeira instância de 10/5/2019 (fls. 17 com verso) que determinou o cumprimento pelo arguido da pena de quatro meses de prisão pela prática do crime em que havia sido condenado, isto é, o acórdão do TRP de 20/11/2019 (fls. 67-75).

Com efeito, o subsequente acórdão do TRP de 10/12/2019 (fls. 88-92) limitou-se a decidir, indeferindo, o requerimento de aclaração do precedente acórdão de 20/11/2019, por aplicação do disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal (CPP) e artigo 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).

6. Da análise do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (supra transcrito em I, 2.) resulta também que são duas as questões de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, reportadas respetivamente ao artigo 49.º, n.º 3, e ao artigo 71.º, ambos do Código Penal (CP).

6.1 A primeira questão – reportada ao artigo 49.º, n.º 3, do CP – é assim enunciada:

«O arguido foi condenado na Comarca do Porto, na pena concreta de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de € 5,50, num total de € 660,00.

Inconformado interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto, por entender que deveria aplicar-se o art.º 49° n.° 3 CP, e que o entendimento do digníssimo tribunal é inconstitucional pois ao aplicar prisão por falta de condições para pagar a multa, viola o principio da igualdade, nomeadamente o art.º 13° CRP.

O Digno Tribunal da Relação do Porto, não deu provimento ao recurso.

Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do disposto no n° 3 art.º 49° do CP, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, viola o art.º 13° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade essa invocada previamente no seu recurso do Juízo Local Criminal de Matosinhos, para o Tribunal da Relação do Porto.»

6.2 A segunda questão – reportada ao artigo 71.º do CP – é assim formulada:

«Por outro lado, ao erguer a culpa - como critério principal de determinação da pena - e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a quo» não avalizou correctamente o art.º 71° do CP, não cumprindo com o princípio constitucional da adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo suspender a prisão determinada.

Violou assim também a douta sentença recorrida o princípio da proporcionalidade.»

Vejamos quanto a cada uma delas.

7. Quanto à primeira questão de constitucionalidade, verifica-se, primeiramente, que a mesma, tal como enunciada pelo recorrente, não constitui um objeto normativo idóneo para a requerida fiscalização da constitucionalidade.

Com efeito, junto do TRP, em sede de alegações do recurso interposto da decisão do Tribunal de primeira instância que determinou o cumprimento da pena de prisão decretada, o recorrente apresenta a seguinte conclusão: «Em consequência, a Douta Sentença recorrida, violou por errada interpretação o disposto nos art.s 49º, nº,3 CP e artº 13º e 32º da Constituição da República Portuguesa» (cfr. fls. 39-41, Conclusão XII, fls. 41), assim imputando a inconstitucionalidade à própria decisão (então) recorrida e não identificando a norma (ou dimensão normativa) retirada do artigo 49.º, n.º 3, do CP que pretendia ver sindicada. Junto do Tribunal Constitucional, no requerimento de...

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