Acórdão nº 130/20 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução03 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 130/2020

Processo n.º 612/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente A., Lda., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão arbitral, de 26 de janeiro de 2019, que julgou improcedente a impugnação do ato de liquidação de Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP), Contribuição do Setor Rodoviário e juros compensatórios, relativo aos anos de 2015, 2016 e 2017.

2. No âmbito de um procedimento de inspeção promovido pela recorrida, foram detetadas operações de venda de gasóleo colorido e marcado a titulares do cartão eletrónico a que se refere o n.º 5 do artigo 93.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho (adiante designado «CIEC»), relativamente às quais foram emitidas faturas de que não constava o nome dos titulares do cartão. No que se refere a essas operações, o ato de liquidação impugnado nos autos determinou que fosse paga a diferença entre os impostos devidos pela venda de gasóleo colorido e marcado e os impostos que seriam devidos pela venda de gasóleo rodoviário comum.

Constituído tribunal arbitral, a ora recorrente pugnou pela invalidade do ato de liquidação, alegando desconhecer que fosse obrigatória a emissão de faturas em nome dos titulares dos cartões eletrónicos (fora dos casos previstos no n.º 15 do artigo 36.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto, vigente na data da liquidação), e invocando a inconstitucionalidade do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC, na parte em que associa à emissão de faturas sem a identificação dos titulares do cartão a mesma consequência que associa à venda de gasóleo colorido e marcado a consumidores que não apresentem o cartão eletrónico emitido nos termos das Portarias n.º 361-A/2008, de 12 de maio e n.º 117-A/2008, de 8 de fevereiro (com a redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 206/2014, de 8 de outubro) e da Portaria n.º 840/2010, de 2 de setembro.

Quanto a esta questão, entendeu o tribunal recorrido que, «[v]isando aquela obrigação de emitir faturas com identificação dos adquirentes facilitar o controle da correta utilização do benefício, através do cruzamento da informação em posse do vendedor e do adquirente, possibilitando a deteção de fraudes e evasão fiscal, não se pode considerar aquela obrigação uma formalidade inútil ou desproporcionada, inclusivamente por que é manifesta a facilidade de lhe dar cumprimento pelo vendedor. (…) Sendo a exigência cumulativa um reforço das possibilidades de controle pela Autoridade Tributária e Aduaneira, facilitando-lhe a fiscalização que, sem essa formalidade, seria «trabalho decerto aturado» (como reconhece a Requerente), e sendo uma formalidade cujo cumprimento não se afigura apreciavelmente mais oneroso que o registo eletrónico da transação, não se pode considerar desajustada a imposição da mesma consequência para a omissão dessa formalidade, que é a responsabilização do proprietário ou responsável legal pela exploração do posto. A utilização abusiva de cartões de terceiros nos registos no sistema de controlo, podendo reconduzir-se à aquisição de GCM [gasóleo colorido e marcado] com benefício por quem a ele não tem direito, não é uma situação de evasão fiscal substancialmente distinta da aquisição por quem nem sequer é titular de cartão com microcircuito.»

Com este fundamento, a impugnação foi julgada improcedente.

3. Desta decisão foi interposto recurso para o tribunal Constitucional, através de requerimento aperfeiçoado nos termos do artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da LTC.

Foi então a recorrente notificada para produzir alegações a respeito da constitucionalidade da norma do artigo 93.º, n.º 5, do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, na parte em que dispõe ser «responsável pelo pagamento do montante de imposto, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, o proprietário ou o responsável legal pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público, (…) em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas com a identificação fiscal do titular de cartão».

4. A recorrente apresentou as seguintes conclusões:

«I

A segunda parte do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC aditada pela Lei 82-B/2014 (“...bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão”) constitui um sistema de controlo do Gasóleo Agrícola baseado na faturação que conflitua com o designado Sistema Eletrónico de Controlo previsto na primeira parte da citada disposição legal que se baseia nas quantidades adquiridas e abastecidas pelos PAC.

II

A aplicação simultânea dos dois sistemas de controlo em vigor conduz a que, nos casos em que o abastecimento tenha sido registado no Sistema Eletrónico de Controlo (1.ª parte do n.º 5 do art.º 93 do CIEC), mas a fatura tenha sido emitida sem a identificação do agricultor (2.ª parte do n.º 5 do art.º 93 do CIEC) seja exigido ao PAC um imposto que não é devido à Fazendo Nacional, o que fere o princípio constitucional do Estado de Direito na vertente da Proporcionalidade traduzida na Proibição do Excesso, pelo que se requer que a norma em crise seja declarada inconstitucional.

III

A exigência do imposto (sem que realmente, substantivamente, seja devido) decorrente da expressão (“...bem como em relação às quantidades para as quais não sejam emitidas as correspondentes faturas em nome do titular de cartão”) dado aplicar-se a factos que também são considerados contraordenação prevista no n.º 6 do art.º 93.º do CIEC e com moldura penal inscrita no RGIT configura uma violação do princípio constitucional “ne bis in idem” e do princípio constitucional da “tipicidade das normas penais” pelo que, também por este motivo, se requer que a mesma seja declarada inconstitucional.

IV

Em suma, pelas razões aduzidas é inconstitucional o segmento normativo do n.º 5 do artigo 93.º do CIEC que se reconduz à exigência de Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) ao proprietário ou responsável legal pela exploração de posto autorizado para venda ao público, na medida da diferença entre a taxa (mais elevada) aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa (mais baixa) aplicável ao gasóleo colorido e marcado (Gasóleo Agrícola), pelo simples facto de aquele ter na fatura emitida aposto a indicação de “Consumidor Final”, ao invés de identificar o adquirente, quando este, e respetiva aquisição, foi identificado no Sistema Eletrónico de Controlo através do uso do cartão pessoal eletrónico que lhe está atribuído para efeito justamente de aquisições de gasóleo colorido e marcado

5. A recorrida produziu contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:

«59. No que respeita à alegada inconstitucionalidade por violação dos princípios da Proporcionalidade e da igualdade, plasmados nos artigos 18.º, nº 2, 2.º parte e 13.º da CRP, respetivamente, os argumentos invocados pela Recorrente são destituídos de qualquer fundamento, não padecendo o segmento da norma contida na segunda parte do nº 5 do artº 93.º do CIEC de qualquer inconstitucionalidade.

60. Efetivamente, o legislador entendeu que só seria justificada a aplicação de taxa reduzida de ISP quando o uso do GCM se destinasse a uma das finalidades previstas no nº 3 do artº 93.º do CIEC, as quais se concretizam mediante a observância das regras de comercialização específicas estabelecidas, nomeadamente as que decorrem da 2º parte do nº 5 do artº 93.º do CIEC, o registo das vendas no sistema eletrónico de controlo e a emissão das correspondentes faturas em nome do beneficiário titular do cartão, exigências essas que, para além de cumulativas à titularidade do cartão, são complementares entre si.

61. Sendo a exigência cumulativa um reforço das possibilidades de controle pela Autoridade Tributária e Aduaneira e não se afigurando que o cumprimento da formalidade da emissão de fatura com identificação do cliente seja apreciavelmente mais oneroso que o registo eletrónico da transação, não se pode considerar desajustada a imposição da mesma consequência para a omissão dessa formalidade, que é a responsabilização do proprietário ou responsável legal peia exploração do posto.

62. A utilização abusiva de cartões de terceiros nos registos no sistema de controlo, podendo reconduzir-se à aquisição de GCM com benefício por quem a ele não tem direito, não é uma situação de evasão fiscal substancialmente distinta da aquisição por quem nem sequer é titular de cartão com microcircuito.

63. Temos ainda que as obrigações que incumbem ao proprietário ou responsável legal pela exploração do posto de abastecimento de combustíveis que proceda à venda ao púbico de GCM, nomeadamente no que concerne à emissão de fatura em nome do titular do cartão, resulta diretamente da lei, e sendo manifesta a facilidade de lhe dar cumprimento pelo vendedor, não pode suscitar quaisquer dúvidas quanto à sua conformidade com o princípio constitucional da proporcionalidade.

64. Nesse sentido, a norma contida na segunda parte do nº 5 do artº 93.º do CIEC não ofende os princípios constitucionais da Proporcionalidade e da igualdade, invocados pela Recorrente.

E.2 – Da inexistente violação do princípio constitucional da Tipicidade de tipos sancionatórios e do princípio Ne bis in idem

65. Resultando ainda do acima exposto que o nº 5 do artº 93.º do CIEC...

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