Acórdão nº 145/20 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução03 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 145/2020

Processo n.º 228-A/17

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Os autos em que foi extraído o presente traslado, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., respeitam a um recurso de constitucionalidade, interposto pelo primeiro, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), de acórdão daquele Tribunal da Relação proferido em de 27 de setembro de 2016, que julgou apenas parcialmente provido o recurso então interposto pelo arguido A., revogando a decisão recorrida na parte que determina a recolha de amostras de ADN ao arguido, mas mantendo a mesma no demais.

2. Nos presentes autos foi proferida a Decisão Sumária n.º 513/2018, na qual se decidiu não conhecer do objeto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional: quanto às duas primeiras questões, por não cumprimento do ónus de prévia suscitação adequada (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); quanto à terceira e à quarta questões, por incumprimento do mesmo ónus e, ainda, na falta de dimensão normativa das mesmas.

3. A Decisão Sumária n.º 513/2018 foi notificada ao mandatário do recorrente por carta registada e para o respetivo domicílio profissional (cfr. fls. 17 dos presentes autos de traslado).

4. Não tendo sido apresentada reclamação da mesma Decisão Sumária, esta transitou em julgado (cfr. cota de fls. 18 dos presentes autos de traslado), tendo sido elaborada a Conta n.º 431/2018 e notificada a mesma ao mandatário do recorrente e ao recorrente (cfr. fls. 19 e 21-22 dos presentes autos de traslado), tendo os autos baixado ao Tribunal da Relação de Lisboa.

5. Na sequência da notificação da referida Conta n.º 431/2018, veio o recorrente apresentar requerimento (cfr. fls. 23-25 dos presentes autos de traslado) no qual se alega, no essencial, que nem o recorrente nem o respetivo mandatário foram notificados da decisão proferida por este Tribunal (Decisão Sumária n.º 513/2018) que, por força da notificação referente à Conta n.º 431/2018, supõem ter sido prolatada, assim existindo preterição de notificação que constitui irregularidade processual arguida nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 123.º do Código de Processo Penal (cfr. requerimento, n.ºs 7 a 9). Conclui o recorrente no sentido de ser declarada a arguida irregularidade e seja ordenada a notificação da Decisão proferida sobre o recurso (interposto para este Tribunal) pelo recorrente, com as devidas consequências legais (cfr. requerimento, 10).

5.1 O recorrido Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido (cfr. fls. 29).

5.2 Por despacho da Relatora neste Tribunal (fls. 31-33) foi indeferido o requerido nos termos seguintes:

«(…)

5. Cumpre começar por clarificar que a invocada norma do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal não tem aplicação no âmbito dos processos de fiscalização concreta face ao disposto no artigo 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), o qual prevê que à tramitação dos recursos para este Tribunal são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil (CPC), em especial as respeitantes ao recurso de apelação.

6. Sendo obrigatória a constituição de avogado nos recursos para o Tribunal Constitucional (artigo 83.º, n.º 1, da LTC), a notificação da Decisão Sumária n.º 513/2018 foi efetuada através de carta registada expedida na pessoa do mandatário do recorrente (artigo 247.º do CPC) e para o respetivo domicílio profissional, presumindo-se a mesma feita nos termos (com as devidas adaptações) do artigo 248.º do CPC (terceiro dia posterior ao do registo ou primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja).

7. Resulta dos autos que a carta registada enviada ao mandatário do recorrente foi devolvida em 1/8/2018 com a menção “não reclamado” (cfr. cota de fls. 28 dos presentes autos).

8. O alegado pelo recorrente no seu requerimento não se afigura passível de ilidir a presunção prevista no artigo 248.º do CPC já que o mesmo não alega nem demonstra que, por acto que não lhe seja imputável, não tomou (ou não pôde tomar) conhecimento da referida notificação da Decisão Sumária proferida nos autos.

9. Pelo exposto, indefere-se o requerido.»

6. Notificado do mencionado despacho, veio o recorrente apresentar reclamação para a conferência (cfr. fls. 37-45) – e, ainda, «Reclamação do ato praticado pelo Exmo. Sr. Escrivão de Direito» (cfr. fls.73-75), esta relativa a aplicação de penalização nos termos do artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC) tendo, no entanto, procedido à cautela ao pagamento em causa.

6.1 O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação para a conferência (fl. 83).

6.2 No Acórdão n.º 664/2018 (cfr. fls. 91-103) decidiu-se indeferir a reclamação apresentada, com a seguinte fundamentação (cfr. II, em especial n.ºs 8-10):

«8. Analisada a reclamação apresentada, verifica-se que, na mesma, o reclamante não oferece argumentos suscetíveis de alterar o decidido no despacho reclamado.

Na verdade, do teor da reclamação resulta que, para além da invocação da absoluta falta de notificação da Decisão Sumária – o que se mostra infirmado pelos elementos constantes dos autos –, o reclamante vem manifestar discordância quanto ao despacho da Relatora relativamente ao alegado «juízo normativo-interpretativo do art.° 248.° do CPC aplicado em concreto aos presentes autos, pela Exma Sra Juíza Conselheira- Relatora, no sentido, de se considerar 1) que era exigível que o recorrente tivesse alegado logo no requerimento apresentado a fls 23-25 factos que pudessem reportar-se como idóneos a ilidir a mencionada presunção, sem que ao mesmo pudesse ser exigível- no momento e condições em que arguiu a nulidade (…) na medida em que, secundamos o entendimento de que apenas deverá impor-se ao recorrente esse ónus-de alegação e prova - quando tenha efectivo conhecimento dos elementos processuais que lhe permitem alegar porque razão a referida notificação não foi recepcionada.»

Segundo o recorrente, ora reclamante, apenas terá tido conhecimento da prolação da Decisão Sumária e da expedição da respetiva notificação por via da leitura do despacho ora reclamado. Assim, «foi apenas, com a prolação da douta decisão sob escrutínio que julgou improcedente a arguida nulidade, que o arguido e recorrente, passou a ter conhecimento, através da pessoa do seu mandatário, de que fora expedido no passado dia 01/08/2018, notificação por via postal registada da referida decisão Sumária, que terá apreciado o (d)mérito do recurso de constitucionalidade que o arguido A., interpôs para esse Colendo Tribunal. (…) E bem assim, de que o referido expediente, não terá sido reclamado nos serviços de distribuição postal, nos termos dos regulamentos em vigor, naqueles serviços.»

Em sequência, o recorrente vem colocar em causa a validade da decisão reclamada, por alegada ofensa do princípio do contraditório e do direito a um processo equitativo. Recorde-se que o faz nos seguintes termos:

«22. Afigura-se-nos pois, em face do processado, e das exigências de salvaguarda de um processo equitativo e das garantias constitucionais, designadamente, dos direitos de defesa do arguido, e bem assim do princípio do contraditório que fosse dado cumprimento, pela Exma Sra Juiz Conselheira-Relatora do disposto no n.º 3 do art.º 3 do CPC, aplicável ex vi art.º 69.º da LOTC, o qual impõe ao juiz um poder-dever, de natureza estritamente vinculada de: “observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade sobre elas se pronunciarem.”

23. Ora, o certo é que, efectivamente, na douta decisão sob reclamação, refere-se a elementos que o arguido e recorrente desconhecia em absoluto, e que apenas veio a ter conhecimento com a notificação do despacho que indeferiu a arguida irregularidade, designadamente, de que havia sido expedida notificação em 01.08.2018 da decisão sumária proferida pela Exma Sra Juíza Conselheira, para o domicílio profissional do Mandatário.

24. Ora, essa realidade processual não era do conhecimento do recorrente, e o mesmo teria, todo o interesse em pronunciar-se bastando para o efeito, que lhe fosse informado- até pela própria seccção(!), que o expediente da notificação da decisão sumária, fora devolvido, por não ter sido reclamado tempestivamente,

25. E nessa sequência, após essa prestação de informação por parte do tribunal, o arguido alegaria os factos que no seu entendimento levaram a que ocorressem a que tal expediente não fosse reclamado nos serviços de distribuição postal, e designadamente, se foi inclusivamente, informado de que existia esse expediente para proceder ao seu levantamento.

26. Por conseguinte, afigura-se que, e salvo melhor opinião, que a decisão proferida pela Exma Sra Juiza Conselheira Relatora, na medida em que ao dar conhecimento ao arguido de uma realidade processual, que o mesmo desconhecia, e ao não lhe permitir que o mesmo se pronunciasse previamente sobre tais actos, pronunciando-se nos termos que julgasse oportuno, e bem assim, ao não lhe facultar o exercício do contraditório, relativamente a posição sufragada pelo Exmo Sr. Procurador Geral-Adjunto do Ministério Público, junto desse Colendo Tribunal, violou o disposto no art.º 3.º n.º 3 do art.º 3.º do CPC aplicável ex vi art 69.º da LOTC...

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