Acórdão nº 213/20 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução31 de Março de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 213/2020

Processo n.º 212/2020

3.ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 05 de fevereiro de 2020, que julgou improcedente a arguição da nulidade, nomeadamente por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, imputada ao acórdão datado de 22 de janeiro de 2020, que indeferira a providência de habeas corpus apresentada pelo ora reclamante.

2. Através da Decisão Sumária n.º 163/2020, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recurso interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Tal como delimitado pelo recorrente, o objeto do recurso é integrado pelos os artigos 222.º e 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante, «CPP»), ambos na «interpretação ventilada no Acórdão proferido em 05.01.2020».

Não obstante o manifesto lapso de escrita na indicação da data da prolação do acórdão — aliás, do único e mesmo acórdão — que terá aplicado as interpretações que integram o objeto do recurso, não sobram dúvidas de que tal aresto só pode ser o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 05 de fevereiro de 2020, consistindo o lapso na referência ao mês «01», ao invés de mês «02», conforme efetivamente se verifica.

Tal conclusão é reforçada pelo facto a «reclamação apresentada em 28/01/2020», apreciada no acórdão de 05 de fevereiro de 2020, ser a peça processual que o recorrente identifica como tendo servido para suscitar previamente, perante o tribunal recorrido, as questões de constitucionalidade enunciadas no requerimento de interposição.

Assim, é por referência ao acórdão proferido em 05 de fevereiro de 2020 que seguidamente se aferirá do preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso.

5. Tal como definido no requerimento de interposição, o objeto do recurso é integrado por duas questões: por um lado, (i) a inconstitucionalidade do artigo 222.º do CPP, «quando interpretado no sentido de vedar o recurso ao habeas corpus reportado à aplicabilidade direta e imediata do princípio ne bis in idem»; e, por outro, (ii) a inconstitucionalidade da interpretação do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, «segundo a qual o direito à / dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição (…) dispensa ("porque não há necessidade)" indicação da norma ao abrigo da qual é julgada transitada a decisão condenatória, na pendência de um Recurso, admitido, sobre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, que constituiu expressamente fundamento do indeferimento da providência de habeas corpus».

Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

Tal pressuposto decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder «influir utilmente na decisão da questão de fundo» (cf. Acórdão n.º 169/92), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio.

No acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou qualquer preceito integrado no artigo 222.º do CPP, que estabelece o regime do habeas corpus em virtude de prisão ilegal. O único regime que aplicou foi o relativo aos pressupostos da nulidade da sentença, previsto no artigo 379.º do CPP, tendo decidido que não padecia de qualquer nulidade, designadamente por omissão de pronúncia ou falta de fundamentação, o acórdão proferido em 22 de janeiro de 2020, incluindo no segmento em que, confrontando a pretensão do ora recorrente com os pressupostos legais para a concessão da providência de habeas corpus previstos no artigo 222.º do CPP, concluíra não comportar tal providência a apreciação de «matérias para as quais se encontram legalmente previstos meios próprios de intervenção», nomeadamente a «violação do ne bis in idem».

Quanto à primeira das questões de constitucionalidade enunciadas no requerimento de interposição, o recurso carece, assim, de utilidade, conclusão que — diga-se ainda —não sofreria qualquer alteração no caso de a decisão recorrida ser o acórdão proferido 22 de janeiro de 2020. Pela simples razão de que, apesar de ter considerado que a invocação da violação do princípio ne bis in idem não constituía fundamento possível da providência de habeas corpus, o Supremo Tribunal de Justiça não ter deixado aí simultaneamente de afirmar que, conforme demonstrado pelo conjunto das sucessivas condenações impostas ao ora recorrente, tal violação não ocorrera no caso.

6. Já no que respeita à segunda das questões enunciadas, são outros os fundamentos com base nos quais se impõe concluir pela inadmissibilidade legal do recurso.

Conforme vem sendo reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional (cf. Acórdãos n.º 466/2016 e 469/2016).

Ora, ao requerer que seja julgada inconstitucional a interpretação do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, «segundo a qual o direito à / dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição (…) dispensa ("porque não há necessidade)" indicação da norma ao abrigo da qual é julgada transitada a decisão condenatória, na pendência de um Recurso, admitido, sobre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, que constituiu expressamente fundamento do indeferimento da providência de habeas corpus», o recorrente pretende, na verdade, ver reapreciada a questão — esta sim, decidida no acórdão datado de 05 de fevereiro de 2020 — de saber se, no acórdão que indeferiu a providência de habeas corpus, o Supremo Tribunal de Justiça fez menção a todos os elementos necessários para dar por observado o dever de fundamentação prescrito no n.º 2 do artigo 374.º do CPP.

Sucede que tal discussão não cabe na competência do Tribunal Constitucional. Conforme se escreveu no Acórdão n.º 429/2014, o Tribunal Constitucional é um «Tribunal de normas», restringindo-se o objeto da sua análise «à avaliação de normas e não de quaisquer outros atos, designadamente decisões judiciais».

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