Acórdão nº 220/20 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução17 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 220/2020

Ata

Aos 17 dias do mês de abril de 2020, os cinco juízes integrantes do Pleno da 3.ª Secção, presidida pelo Conselheiro Vice-Presidente, João Pedro Caupers, e composta pela Conselheira Joana Fernandes Costa (relatora) e pelos Conselheiros Maria José Rangel de Mesquita, Gonçalo de Almeida Ribeiro e Lino Rodrigues Ribeiro, reuniram-se por via telemática para discussão do projeto de acórdão relativo ao processo n.º 1070/2019, previamente distribuído pela relatora, decidindo o recurso apresentado nos presentes autos pela recorrente A., S.A. [artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redação constante da Lei n.º 1/2018, de 19 de abril)].

Tendo os intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado, por unanimidade, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado na presente ata, assinada pelo Conselheiro Vice-Presidente.

A aprovação do acórdão foi feita ao abrigo do artigo 7.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

ACÓRDÃO Nº 220/2020

Processo n.º 1070/2019

3.ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em que é recorrente a A., S.A. e recorrido o Município de Estarreja, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante «LTC»), da sentença proferida por aquele Tribunal, em 4 de outubro de 2019, que julgou improcedente a impugnação judicial dos atos liquidação das taxas relativas às licenças de bombas abastecedoras de combustível e de ar do posto de abastecimento da área de serviço de Antuâ-A1, km 262, referentes ao ano de 2018, no total de € 3.119, 38.

Nessa sentença, considerou-se não padecerem de inconstitucionalidade orgânica as normas em que tais liquidações se haviam baseado, contidas nas verbas 7.1.2. e 7.2.2. (referentes a bombas abastecedoras de carburantes líquidos) da “Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais”, anexa ao Regulamento Municipal de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de março de 2010.

2. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«1°

O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do art. 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.

A inconstitucionalidade que se pretende ver apreciada e julgada pelo Tribunal Constitucional respeita à interpretação que se fez, na douta sentença recorrida, dos normativos contidos nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Estarreja, no sentido de que os tributos ali previstos têm a natureza de taxa e não de imposto.

A mencionada norma regulamentar, constante dos pontos 7.12 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Estarreja, tal como foi interpretada (e aplicada), viola as normas contidas nos artigos 103.º n.º 2 e 165°, n.º 1, alínea i) da CRP, quando estão em causa postos de abastecimento de combustíveis líquidos, situados, inteiramente, em propriedade privada e não resulta demonstrada a existência de qualquer contraprestação individualizada por parte do Município.

A ora Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade acima apontada aquando da apresentação da petição inicial respeitante à impugnação judicial instaurada junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.»

3. Admitido o recurso, a recorrente produziu alegações, formulando as seguintes conclusões:

« [...]

I) O escrutínio da inconstitucionalidade da norma em questão deve orientar-se por verificar se ela não é a roupagem de «um mero estratagema para obter receitas», usando a expressão sugestiva de CASALTA NABAIS (Direito Fiscal, 5ª ed., Coimbra, 2009, p. 15, nota 27).

II) O julgador há de usar de um especial cuidado no recenseamento de considerações apriorísticas que tendam a ver numa taxa municipal de supostos fins ambientais e de proteção civil, e sobre postos de venda de carburantes, uma medida justa.

Assim:

III) No caso vertente, o tributo imposto pela norma contida nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 Regulamento Municipal da Tabela de Taxas Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Estarreja não constitui uma contrapartida de um serviço público, suscetível de especificação, individualização, proporcionalidade e exigibilidade que decorrem do caráter sinalagmático das taxas.

Com efeito:

IV) A tese que obteve colhimento na douta sentença recorrida considera que o alegado tributo possui natureza de “taxa”, porquanto estar-lhe-ão associadas as seguintes contrapartidas: (i) a remoção da “proibição de poluir” e/ou suportar impactos negativos da exploração de postos de abastecimento e, bem assim, (ii) as ações de fiscalização que os municípios estão obrigados a fazer de forma permanente.

V) Relativamente à remoção da “proibição de poluir” e/ou suportar impactos negativos da exploração de postos de abastecimento, há que reconhecer que o cumprimento das múltiplas regras técnicas a que devem obedecer os postos de abastecimento de combustíveis, no essencial, as da Portaria n.º 131/2002, de 9 de fevereiro, permite justamente que a lesão dos recursos naturais tenha uma expressão mínima, razoável e sustentável.

VI) O que significa que os riscos ambientais potencialmente existentes foram devidamente considerados, no âmbito de um procedimento de licenciamento levado a cabo por outra entidade que não o Município de Estarreja.

VII) De todo o modo e sem conceder, sempre se dirá que a apontada justificação da taxa cobrada por referência à poluição alegadamente causada pelo funcionamento do posto de abastecimento em questão, poderia, quanto muito, ser suscetível de classificar o tributo como contribuição especial, designadamente na categoria de “contribuições para maiores despesas” (entendidas como aquelas em que a prestação devida pelos particulares encontraria a sua razão de ser no facto de estes ocasionarem com a sua atividade um acréscimo de despesas para as entidades públicas).

VIII) No entanto, esta situação acaba por não ter qualquer relevo prático, porquanto a criação deste tipo de contribuição fica igualmente de fora da competência das Câmaras Municipais, uma vez que tem a mesma exigência formal que os impostos (vide neste sentido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/2009, de 14/01/09, in www.tribunalconstitucional.pt).

IX) Nem se diga, que o tributo em questão possui a natureza de taxa, porquanto se integra no conceito de “poluidor/pagador”.

X) Com efeito, a ser admitido tal entendimento, não poderia deixar de se considerar que a norma contida nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do citado regulamento violaria os princípios do exclusivismo e da determinação a que se encontram sujeitas as taxas, porquanto não se mostram, plena e cabalmente, definidos todos os elementos do tributo.

XI) Na verdade, se o valor do tributo se encontra dependente do desgaste ambiental produzido, a verdade é que a partir do teor da supra referida norma o contribuinte não se mostra capaz de conseguir perceber de que forma é medido o alegado desgaste ambiental por parte da Edilidade (v.g., considerando a dimensão do posto ou o n.º de automóveis diário), nem tão pouco o modo, pelo qual, o proprietário pagador poderá exigir a realização concreta de despesas, designadamente de conservação dos troços por si utilizados.

XII) Nem tão pouco resulta demonstrada qualquer diferenciação do valor da taxa consoante o desgaste ambiental efetivamente produzido, isto é, uma maior tributação para os postos de abastecimento “mais poluentes”. Inexiste, assim, qualquer relação entre a tributação e o efetivo maior desgaste do ambiente, como sucederia se estivéssemos perante uma taxa.

XIII) Já no que toca às ações de fiscalização que o Município de Estarreja estaria alegadamente obrigado a fazer, de forma permanente, no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil, tal como a douta sentença refere, tais ações de fiscalização não são utilidades individualizadas, uma vez que não se dá como certo que elas ocorram, bastando a existência de uma presunção suficientemente forte.

XIV) Sucede que, “a prestação administrativa de um serviço público, como contrapartida da taxa, não pode constituir um dever cuja realização seja deixada ao puro alvedrio das entidades públicas. Sob pena de se descaracterizar o conceito de taxa, enfraquecendo o sinalagma e, nele, a exigibilidade, a conexão específica entre as utilidades proporcionadas e o particular onerado com ela, exige a vinculação a uma prestação concreta e não uma mera presunção da existência de eventual prestação” (vide neste sentido, declaração de voto do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro, in Acórdão do TC nº 316/2014).

XV) É certo que, entre o enunciado exemplificativo das taxas municipais, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de...

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