Acórdão nº 219/20 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução17 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 219/2020

Ata

Aos 17 dias do mês de abril de 2020, os cinco juízes integrantes do Pleno da 3.ª Secção, presidida pelo Conselheiro Vice-Presidente, João Pedro Caupers, e composta pela Conselheira Joana Fernandes Costa (relatora) e pelos Conselheiros Maria José Rangel de Mesquita, Gonçalo de Almeida Ribeiro e Lino Rodrigues Ribeiro, reuniram-se por via telemática para discussão do projeto de acórdão relativo ao processo n.º 542/2019, previamente distribuído pela relatora, decidindo o recurso apresentado nos presentes autos pelo Ministério Público [artigo 70.º, n.º1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redação constante da Lei n.º 1/2018, de 19 de abril)].

Tendo os intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado, por unanimidade, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado na presente ata, assinada pelo Conselheiro Vice-Presidente.

A aprovação do acórdão foi feita ao abrigo do artigo 7.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

ACÓRDÃO Nº 219/2020

Processo n.º 542/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante «LTC»), da sentença proferida por aquele Tribunal, em 14 de maio de 2019, que recusou a aplicação dos artigos 886.º-A, n.ºs 1 e 4, 905.º e 229.º do Código de Processo Civil (doravante «CPC») e 252.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante «CPPT»), quando interpretados «no sentido de que a notificação ao executado do conteúdo da proposta de aquisição do bem penhorado sujeito a venda por negociação particular e do momento em que essa venda vai ocorrer não é obrigatória», e, em consequência dessa recusa, julgou verificada a existência de uma nulidade processual decorrente da omissão de tal formalidade, anulando, com tal fundamento, o despacho objeto de reclamação.

2. Na qualidade de titular de direito de remição, a aqui recorrida, filha do executado B. no processo executivo n.º 0094200101010670, reclamou judicialmente (artigo 276.º do CPPT) do despacho do órgão de execução fiscal que, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 257.º do CPPT, lhe indeferiu o pedido de anulação da venda da casa de habitação objeto de penhora, alegando não ter sido notificada para exercer a prerrogativa de remição, nem terem sido notificadas ao próprio executado as propostas apresentadas para a aquisição do bem.

Por sentença de 14 de maio de 2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou verificada a existência de nulidade processual, decorrente da omissão da notificação ao executado da proposta de aquisição que foi aceite, assim como do dia e hora marcados para a efetivação da venda, decidindo, em consequência, anular o despacho reclamado.

3. Na parte que aqui releva, a decisão recorrida tem o seguinte teor:

«[…]

No p. n.º 217/07.7, já referido várias vezes na presente sentença, os então Reclamantes interpuseram recurso para o TC, o qual veio a ser rejeitado, com fundamento no não conhecimento do objeto do recurso. Porém, tal acórdão é integrado por uma declaração de voto do Juiz João Cura Mariano, na qual são apreciadas as inconstitucionalidades invocadas pelos então Recorrentes e que estão em causa nos presentes autos. O Tribunal acompanhará de perto a referida declaração de voto, na medida em que adere ao entendimento sufragado pela mesma.

Nos termos do art. 258.º do CPPT, na versão em vigor à data, ou seja, na versão anterior à introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, o direito de remição é reconhecido nos termos previstos no Código de Processo Civil. Assim, por força do artigo 912.º do CPC, resultante da alteração efetuada pela Lei n.º 14/2006, de 26/4, o direito de remição era reconhecido [...] ao cônjuge que não estivesse separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado, os quais podiam remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço que tivesse sido feita a adjudicação ou a venda.

[...]

Este direito de remição apenas pode ser exercido, nos casos de venda por negociação particular – que é a modalidade de venda que foi adotada no caso dos presentes autos -, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta (cfr. art. 913.º, n.º 1, al. b), do CPC antigo na sua 26.ª versão; e, assim, também no novo CPC, no seu art. 843.º, n.º 1, al. b)).

A possibilidade de a venda ser efetuada através de negociação particular encontrava-se, então, prevista no art. 252.º do CPPT e no art. 886.º, n.º 1, al. d), do CPC, sendo regulada pelos arts. 904.º e 905.º do CPC.

O art. 252.º, n.º 3, do CPPT, dispunha que «quando tenha lugar a venda por negociação particular, são publicitados na Internet, nos termos definidos em portaria do Ministro das Finanças, o nome ou firma do executado, o órgão por onde corre o processo, a identificação sumária dos bens, o local, prazo e horas em que estes podem ser examinados, o valor base da venda e o nome ou firma do negociador, bem como a residência ou sede deste.».

Por sua vez, o artigo 249.º, n.º 1 e 2, do CPPT, relativo à publicitação em geral das vendas em processo de execução fiscal, determinava que uma vez determinada a venda, procede-se à respetiva publicitação, mediante editais, anúncios e divulgação através da Internet (n.º 1); os editais são afixados, com a antecipação de 10 dias úteis, um na porta dos serviços do órgão da execução fiscal e outro na porta da sede da junta de freguesia em que os bens se encontrem (n.º 2).

No que respeita a notificações apenas o artigo 886.º-A, n.º 4, do CPC, subsidiariamente aplicável aos processos de execução fiscal, nos termos do artigo 2.º do CPPT, dispunha na subsecção das disposições gerais sobre a venda em processo de execução que a decisão sobre a venda dos bens deve ser notificada ao exequente, ao executado e aos credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender.

[...]

A Reclamante invoca que [...] é inconstitucional a interpretação da norma constante do artigo 252.º do CPPT e do artigo 229.º do CPC, conjugada com o artigo 912.º e segs. do CPC interpretados com o sentido que na venda de bem penhorado em processo de execução fiscal não é obrigatória a notificação do executado da proposta de aquisição que veio a ser aceite, nem do dia e hora marcados para a efetivação da venda. Alega a Reclamante que só com tal notificação o executado poderia exercer os seus direitos, nomeadamente encontrar propostas de maior valor e comunicar aos familiares, nomeadamente à aqui reclamante, para efeitos de esta exercer o seu direito de remição.

Vejamos.

De facto, o conhecimento pelo executado de que foi ordenada a venda por negociação particular e a identificação do encarregado da venda confere-lhe a possibilidade, assim como aos titulares do direito de remição por ele alertados, de acompanharem, pela consulta do processo, nos termos do artigo 30.º do CPPT, a evolução das diligências para a efetivação da venda, de modo a inteirarem-se do valor da proposta de aquisição obtida pelo encarregado da venda e do momento em que esta vai ocorrer, podendo, os titulares do direito de remição, optar por, desde logo, comunicarem ao encarregado da venda a sua intenção de exercer o direito de remição, solicitando que este os informe da melhor oferta e da data designada para a celebração do negócio.

Também neste âmbito, a jurisprudência entende que a obrigatoriedade de notificação do executado da proposta de aquisição que veio a ser aceite e do dia e hora da marcação da venda judicial não encontra abrigo na lei vigente à data dos factos – artigos 886º-A, n.ºs. 1 e 4, e artigo 905º do CPC e artigo 252º do CPPT-, tendo sido unânime em reafirmar essa mesma não obrigatoriedade, fazendo recair sobre o executado o dever de se inteirar, junto do encarregado da venda e do respetivo processo de execução, da tramitação levada a efeito respeitante à concretização da venda. Segundo a Jurisprudência, haveria, assim, que aplicar o disposto no art. 229º do CPC, do qual decorreria que não carecem de ser notificados às partes as diligências meramente executivas. Como explica o ac. do STA de 5/2/2015, p. n.º 0748/14, «() a execução fiscal, impunha, como regra, a notificação ao exequente, ao executado e credores reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender, do despacho ou decisão que determinasse a modalidade da venda e fixasse o valor base dos bens a vender, cfr. artigo 886º-A, n.ºs. 1 e 4, do CPC, já não impunha que o executado fosse notificado das diligências e do resultado dessas diligências tendentes à venda do bem ou bens, cfr. artigo 905º, no caso da realização da venda por negociação particular. A propósito desta questão, escreveu-se no primeiro daqueles acórdãos referidos: “Não existindo regime especial nas normas que regem a ação executiva, é naturalmente necessário recorrer à parte geral do CPC, nomeadamente ao disposto no art. 229º: ora, da aplicação deste regime decorre que não carecem de ser notificados às partes as diligências meramente executivas que, no plano prático, visam concretizar uma venda extrajudicial, já previamente determinada e definida nos seus elementos essenciais, nomeadamente o preço por que vai ser realizada: é que, ao contrário do sustentado pelos recorridos, o executado não tem o direito de assistir e estar presente ao ato de outorga na escritura de venda, nem tem qualquer direito...

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