Acórdão nº 218/20 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução17 de Abril de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 218/2020

Ata

Aos 17 dias do mês de abril de 2020, os cinco juízes integrantes do Pleno da 3.ª Secção, presidida pelo Conselheiro Vice-Presidente, João Pedro Caupers, e composta pela Conselheira Joana Fernandes Costa (relatora) e pelos Conselheiros Maria José Rangel de Mesquita, Gonçalo de Almeida Ribeiro e Lino Rodrigues Ribeiro, reuniram-se por via telemática para discussão do projeto de acórdão relativo ao processo n.º 397/2019, previamente distribuído pela relatora, decidindo o recurso apresentado nos presentes autos pela recorrente A., S.A. [artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redação constante da Lei n.º 1/2018, de 19 de abril)].

Tendo a maioria dos intervenientes chegado a acordo quanto ao teor da decisão, foi o acórdão aprovado, por maioria, com o voto de vencido do Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro, com dispensa de assinatura, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, sendo integrado, com a declaração de voto, na presente ata, assinada pelo Conselheiro Vice-Presidente.

A aprovação do acórdão foi feita ao abrigo do artigo 7.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.

ACÓRDÃO N.º 218/2020

Processo n.º 397/2019

3.ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A., S.A. e recorrido Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 31 de janeiro de 2019, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelo ora recorrente do despacho proferido pelo Juízo de Execução de Chaves, que indeferiu a reclamação apresentada à conta de custas apresentada pelo agente de execução.

2. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«A., SA, inconformada com a parte do douto Acórdão de 31 de janeiro de 2019 em que se entende e decide que o "artº 829-A nº 4 não padece de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que a matéria vertida naquele preceito não se encontra abrangida pelo artº 165º nº 1 da Constituição da República Portuguesa - não sendo, por isso, matéria de reserva (relativa) da Assembleia da República", e isto pese embora o facto deste dispositivo do Código Civil ter sido aditado e imposto pelo Decreto Lei 262/83, publicado na I Série do Diário da República em 16 de junho de 1983 e produzido no âmbito da competência legislativa do Governo, vem, nos termos da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e da norma da aliena b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 143/85, de 26 de novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, pela Lei n.º 88/91, de 1 de setembro, e pela Lei n.º 113-A/98, de 26 de fevereiro, dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por para isso estarem reunidos os pressupostos que se seguem:

a) A norma cuja inconstitucionalidade deve ser apreciada pelo Tribunal Constitucional é a do artº 829-A n.º 4 do Código Civil, aditado pelo Decreto Lei 262/83, publicado na I Série do Diário da República em 16 de junho de 1983 e produzido no âmbito da competência legislativa do Governo,

b) O presente recurso é interposto ao abrigo da norma da alínea b) do artigo 280.º da CRP e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82;

c) A inconstitucionalidade da referida norma foi suscitada durante o processo;

d) As normas e os princípios constitucionais violados com a produção legislativa e com a aplicação judicial da norma do artigo 829-A do Código Civil, são as normas do artigo 165.º, alíneas b) e i) da Constituição da República Portuguesa e o princípio da separação dos poderes do Estado.

e) Atendendo ao valor do processo o Acórdão não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça».

3. Admitido o recurso e determinado neste Tribunal o seu prosseguimento, a recorrente apresentou as respetivas alegações, nos termos seguintes:

«1.º A fundamentação de direito usada no Acórdão recorrido para manter o indeferimento da reclamação decidido em primeira instância, e, assim, manter a nota discriminativa elaborada pelo Agente de Execução que estabelece a obrigação de pagar juros compulsórios a favor do Estado no valor de 6.677,28€ e juros compulsórios a favor do exequente no valor de 6.677,28€, são as normas do artigo 829.º-A do Código Civil, aditado pelo Decreto-Lei 262/83, publicado na I Série do Diário da República em 16 de junho de 1983.

2.º Como se pode verificar pelo respetivo teor, o Decreto Lei que adita o artigo 829.º-A do Código Civil foi feito ao abrigo da competência legislativa do Governo, sendo que as normas que se extraem deste artigo, nomeadamente as normas do n.º 1. e do n.º 4, impõem sanções pecuniárias compulsórias e dispõem do direito de propriedade das pessoas sobre os respetivos bens.

3.º É certo que o Estado, ressalvados que sejam certos limites, pode impor sanções e pecuniárias e pode dispor do direito de propriedade das pessoas, mas, porque esta matéria respeita a direitos a de natureza análoga à dos direitos fundamentais, só o pode fazer através de Lei da Assembleia da República ou de Decreto-Lei do Governo sustentado em autorização legislativa da Assembleia da República que delimite o respetivo âmbito e alcance.

4.º O Governo fez o Decreto-Lei 262/83 e aditou o artigo 829.º-A ao Código Civil sem possuir a necessária autorização legislativa.

5.º E assim sendo, parece certo que pelo menos as normas do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 829.º-A do Código Civil, por estabelecerem a obrigação do devedor de pagar uma sanção pecuniária compulsória, consistente no pagamento de juros de 5% sobre o valor duma dívida, são organicamente inconstitucionais, e, por isto mesmo, não podem servir para fundamentar decisões judiciais.

Conclusões

a) O artigo 829.º-A do Código Civil foi aditado pelo Decreto-Lei 262/83, publicado na I Série do Diário da República em 16 de junho de 1983.

b) Este Decreto-Lei versa sobre direitos de natureza análoga à dos direitos fundamentais e foi feito ao abrigo da competência legislativa do Governo

c) A restrição de direitos de natureza análogo à dos direitos fundamentais só o pode ser imposta por Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei do Governo sustentado em autorização legislativa da Assembleia da República.

d) Não tendo o artigo 829.º-A do Código Civil sido aditado por Lei da Assembleia da República nem por Decreto-Lei do Governo devidamente autorizado, as suas normas, atento o seu objeto, são organicamente inconstitucionais.

Termos em que as normas do artigo 829.º-A do Código Civil, aditado pelo Decreto-Lei 262/83, publicado na I Série do Diário da República em 16 de junho de 1983, devem ser declaradas inconstitucionais, com a consequente devolução do processo ao tribunal a Relação de Guimarães, para obtenção de decisão que não viole a Constituição da República».

4. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, como se transcreve:

«1. Objeto do recurso

1.1 O presente recurso vem interposto do acórdão, de 31 de janeiro de 2019, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (proc. n.º 963/14.9T8CHV), na parte em que decidiu aplicar o n.º 4 do artigo 829º-A do Código Civil, por considerar não padecer esta norma de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que a matéria vertida naquele preceito não se encontra abrangida pelo n.º 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa, não sendo por isso matéria de reserva relativa da Assembleia da República.

1.2 O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional e da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do requerimento que se segue:

“A., SA, inconformada com a parte do douto Acórdão de 31 de janeiro de 2019 em que se entende e decide que o "artº 829-A nº4 não padece de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que a matéria vertida naquele preceito não se encontra abrangida pelo artº 165º nº1 da Constituição da República Portuguesa — não sendo, por isso, matéria de reserva (relativa) da Assembleia da República", e isto pese embora o facto deste dispositivo do Código Civil ter sido aditado e imposto pelo Decreto Lei 262/83, publicado na I Série do Diário da República em 16 de junho de 1983 e produzido no âmbito da competência legislativa do Governo, vem, nos termos da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e da norma da aliena b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 143/85, de 26 de novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, pela Lei n.º 88/91, de 1 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, dela interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por para isso estarem reunidos os pressupostos que se seguem:

a) A norma cuja inconstitucionalidade deve ser apreciada pelo Tribunal Constitucional é a do artº 829-A nº 4 do Código Civil, aditado pelo Decreto Lei 262/83, publicado na I Série do Diário da República em 16 de junho de 1983 e produzido no âmbito da competência legislativa do Governo,

b) O presente recurso é interposto ao abrigo da norma da alínea b) do artigo 280.º da CRP e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82;

c) A inconstitucionalidade da referida norma foi suscitada durante o processo;

d) As normas...

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