Acórdão nº 80/20 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 80/2020

Processo n.º 615/18

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1 - A A. - SA., vem recorrer, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 15 de maio de 2018, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o Município de Estarreja, pedindo a anulação dos atos de liquidação de taxas relativas às bombas abastecedoras de combustíveis e de ar e água do posto de abastecimento da área de serviço de Antuâ-A1, km 262, referentes ao ano de 2016, no total de € 3064,06.

Nessa sentença, considerou-se que as liquidações em causa se baseavam em normas que não padeciam de inconstitucionalidade orgânica: as verbas 7.1.2. e 7.2.2. (referentes a bombas abastecedoras de carburantes líquidos) da “Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais”, anexa ao Regulamento Municipal de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de março de 2010.

2. Admitido o recurso, a recorrente produziu alegações, formulando as seguintes conclusões:

I) O escrutínio da inconstitucionalidade da norma em questão deve orientar-se por verificar se ela não é a roupagem de «um mero estratagema para obter receitas», usando a expressão sugestiva de CASALTA NABAIS (Direito Fiscal, 5ª ed., Coimbra, 2009, p. 15, nota 27).

II) O julgador há de usar de um especial cuidado no recenseamento de considerações apriorísticas que tendam a ver numa taxa municipal de supostos fins ambientais e de proteção civil, e sobre postos de venda de carburantes, uma medida justa. Assim:

III) No caso vertente, o tributo imposto pela norma contida nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Estarreja não constitui uma contrapartida de um serviço público, suscetível de especificação, individualização, proporcionalidade e exigibilidade que decorrem do caráter sinalagmático das taxas. Com efeito:

IV) A tese que obteve colhimento na douta sentença recorrida considera que o alegado tributo possui natureza de “taxa”, porquanto estar-lhe-ão associadas as seguintes contrapartidas: (i) a remoção da “proibição de poluir” e/ou suportar impactos negativos da exploração de postos de abastecimento e, bem assim, (ii) as ações de fiscalização que os municípios estão obrigados a fazer de forma permanente.

V) Relativamente à remoção da “proibição de poluir” e/ou suportar impactos negativos da exploração de postos de abastecimento, há que reconhecer que o cumprimento das múltiplas regras técnicas a que devem obedecer os postos de abastecimento de combustíveis, no essencial, as da Portaria n.º 131/2002, de 9 de fevereiro, permite justamente que a lesão dos recursos naturais tenha uma expressão mínima, razoável e sustentável.

VI) O que significa que os riscos ambientais potencialmente existentes foram devidamente considerados, no âmbito de um procedimento de licenciamento levado a cabo por outra entidade que não o Município de Estarreja.

VII) De todo o modo e sem conceder, sempre se dirá que a apontada justificação da taxa cobrada por referência à poluição alegadamente causada pelo funcionamento do posto de abastecimento em questão, poderia, quanto muito, ser suscetível de classificar o tributo como contribuição especial, designadamente na categoria de “contribuições para maiores despesas” (entendidas como aquelas em que a prestação devida pelos particulares encontraria a sua razão de ser no facto de estes ocasionarem com a sua atividade um acréscimo de despesas para as entidades públicas).

VIII) No entanto, esta situação acaba por não ter qualquer relevo prático, porquanto a criação deste tipo de contribuição fica igualmente de fora da competência das Câmaras Municipais, uma vez que tem a mesma exigência formal que os impostos (vide neste sentido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/2009, de 14/01/09, in www.tribunalconstitucional.pt).

IX) Já no que toca às ações de fiscalização que o Município de Estarreja estaria alegadamente obrigado a fazer, de forma permanente, no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil, tal como a douta sentença refere, tais ações de fiscalização não são utilidades individualizadas, uma vez que não se dá como certo que elas ocorram, bastando a existência de uma presunção suficientemente forte.

X) Sucede que, “a prestação administrativa de um serviço público, como contrapartida da taxa, não pode constituir um dever cuja realização seja deixada ao puro alvedrio das entidades públicas. Sob pena de se descaracterizar o conceito de taxa, enfraquecendo o sinalagma e, nele, a exigibilidade, a conexão específica entre as utilidades proporcionadas e o particular onerado com ela, exige a vinculação a uma prestação concreta e não uma mera presunção da existência de eventual prestação” (vide neste sentido, declaração de voto do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro, in Acórdão do TC nº 316/2014).

XI) É certo que, entre o enunciado exemplificativo das taxas municipais, a Lei n.º 53-E/2006, de 29 de dezembro, figura a «prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil» (artigo 6.º, n.º 1, alínea f)).

XII) Mas não é menos certo que estes serviços têm de assentar na prestação concreta de um serviço (artigo 3.º). É que o serviço concreto exige utilidades divisíveis (artigo 5.º, n.º 2).

XIII) Ora, a proteção civil, em geral, é absolutamente indivisível, pois respeita a toda a população do concelho e a terceiros (podendo estes também vir a ser beneficiados com os serviços relativos à proteção civil).

XIV) Em face do supra exposto, deverá concluir-se que o tributo em causa, previsto nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Estarreja, não poderá ser qualificado como taxa, sendo ao invés um verdadeiro imposto.

XV) Nesta medida, a mencionada norma regulamentar, constante dos pontos 7.1.2 e 7.2.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Estarreja, tal como foi interpretada (e aplicada) pelo douto acórdão recorrido, viola as normas contidas nos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, quando estão em causa postos de abastecimento de combustíveis líquidos situados inteiramente em propriedade privada (ou que não ocupem qualquer porção de território integrado no domínio público ou semipúblico do Município de Estarreja) e não resulte demonstrada a existência de qualquer prestação individual e concreta de um serviço público por parte do Município.

XVI) Mas mais. O tributo criado pelo Município de Estarreja e aqui impugnado, à semelhança do que sucede com tributo de idêntica natureza criado pelo Município de Oeiras, insere-se “(…) numa constelação tributária em matéria de «unidades de abastecimento de combustível e tomadas de ar» que compreende vários tributos incidentes sobre diferentes parcelas ou equipamentos de um posto de abastecimento de combustíveis” (vide acórdão do Plenário do TC n.º 379/2018).

XVII) De acordo com os pontos 7.1 e 7.2 do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Estarreja, o tributo impugnado incide sobre: “7. Instalações abastecedoras de carburantes líquidos, ar e água; 7.1 Bombas abastecedoras de carburantes líquidos […]; 7.2 Bombas de ar ou água”.

XVIII) Ora, conforme se deixa dito no citado acórdão n.º 379/18 proferido por esse Venerando Tribunal, “a desagregação da “unidade de abastecimento de combustível” em diversos componentes, sobre os quais incidem tributos autónomos, torna inviável a transposição para este caso dos fundamentos do acórdão n.º...

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