Acórdão nº 395/20 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução13 de Julho de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 395/2020

Processo n.º 484/2018

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Contas, em que é recorrente o Centro Hospitalar do Porto, E.P.E., e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão proferido em Plenário da 1.ª Secção, de 20 de março de 2018, em que se decidiu, inter alia, confirmar a recusa de visto a um contrato de prestação de serviços de lavagem, tratamento, recolha e distribuição de roupa e fardamento hospitalar, celebrado pelo recorrente como entidade adjudicante, submetido à fiscalização prévia daquele Tribunal.

2. Foi dado como provado nas instâncias que o contrato foi celebrado em fevereiro de 2017, para produzir efeitos entre 1 de março e 31 de dezembro do mesmo ano, tendo sido submetido à fiscalização prévia do Tribunal de Contas em abril de 2017. Em julho, o ora recorrente foi notificado a pronunciar-se «quanto à assunção da despesa resultante do Contrato e Adenda em apreço, quando não evidenciou documentalmente a existência do Compromisso nos termos solicitados por este Tribunal e não se demonstrou que a totalidade da despesa é assegurada por fundos disponíveis positivos (vd. Artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, e o artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 127/2012).» O recorrente, em resposta endereçada ao Tribunal a quo em 28 de novembro de 2017, informou ter desencadeado «iniciativas tendentes a superar os constrangimentos verificados, incluindo diretamente junto da tutela» e assumiu que, «não obstante os nossos esforços, não foi possível superar a situação de facto.»

Por acórdão da 1.ª Secção (em Subsecção) do Tribunal de Contas, de 21 de dezembro de 2017, foi recusado o visto, com fundamento na nulidade do contrato e na violação direta de normas financeiras (nos termos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto). O Plenário da 1.ª Secção desse Tribunal negou provimento ao recurso interposto desta decisão, tendo concluído:

«31. No plano estritamente legal, diremos, pois, que nada obsta à aplicação ao contrato em apreço do entendimento já perfilhado anteriormente por este Tribunal (…), no sentido de que, estando verificada uma situação de carência de fundos disponíveis – a qual se encontra espelhada na factualidade supra descrita, sem que o ora recorrente a tenha sequer contraditado –, produz tal situação efeitos a dois níveis:

- num primeiro plano, determina a violação das normas financeiras inscritas nos artigos 5.º, n.os 1 e 3, da LCPA e 7.º, n.os 2 e 3, do Regulamento da LCPA, o que gera a nulidade desse contrato e do respetivo compromisso;

- e, em plano consequencial, integra os fundamentos de recusa de visto consignados nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.»

3. Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, mediante requerimento cuja redação, na parte que ora releva, é a seguinte:

«1. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82).

1. O entendimento que a decisão recorrida faz das normas de cariz financeiro ínsitas nos artºs 7.º nº 3 al. a), b) e c) do DL n.° 127 /2012, de 21 de Junho, e dos artigos 3º, 5º nº 1 , 9º, 11ºe 13º [...] da Lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro, ao fazer aplicar essas normas ao contrato de prestação de serviços de lavagem, tratamento, recolha, e distribuição de roupa celebrado entre o Recorrente o SUCH, viola o art° 64° nº 2 e 3 da Constituição, como comando fundamental do direito à proteção da saúde.

2. A aquisição de serviços de tratamento de roupa pelo Centro Hospitalar do Porto, EPE aos SUCH (Serviço de Utilização Comum dos Hospitais - que, aliás, é uma entidade associada do Recorrente), é tão essencial para a proteção da saúde num hospital como a aquisição de medicamentos, dispositivos médicos ou material de consumo clínico.

(...)

6. A interrupção do regular funcionamento deste serviço é tão gravoso como a falta de antibióticos, com a diferença que estes podemos recorrer a outros hospitais para empréstimo e roupas não existe “stock” hospitalar que o permita muito menos em circunstâncias de interrupção do seu fornecimento.

7. Em face destes factos, a verdade é que ao Tribunal de Contas, órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas [vd. art.º 214.°, da C.R.P.], cabe, obviamente, a verificação da conformidade legal do ato gerador da despesa, seja no plano administrativo, seja no âmbito financeiro. E, adentro de tais competências, melhor elencadas no art.º 1.º, n.º 1, da Lei n.º 98/97, de 26.08, e exercitáveis aquando da submissão dos correspondentes contratos a visto, mostra-se incluída a verificação da legalidade da despesa.

8. A interpretação jurisdicional do Tribunal de Contas, que este faz das citadas normas da Lei nº 8/2012 (LCPA), e do diploma que a desenvolve (Decreto-Lei n.º 127/2012, de 21 de junho) e do art.º 5.º, n.º 2, do C.C.P., acarreta restrição ao direito à saúde dos cidadãos (garantida pela Constituição), à prossecução da atividade de prestação de cuidados de saúde pelo Recorrente às populações e ao direito à saúde dos cidadãos.

9. O Acórdão recorrido violou assim as normas constantes do art.° 64°, da Constituição da República Portuguesa.

10. A Lei nº 8/2012 (LCPA), e o diploma que a desenvolve (Decreto-Lei n.º 127/2012, de 21 de junho), contêm normas que, no caso concreto, a serem aplicadas, acarretam restrição ao direito à saúde dos cidadãos (garantida pela Constituição), à prossecução da atividade de prestação de cuidados de saúde pelo Recorrente às populações e ao direito à saúde dos cidadãos.

(…)

16. Neste contexto, a interpretação que o Acórdão recorrido faz das normas do artºs 7.º nº 3 al. a), b) e c) do DL n.° 127 /2012, de 21 de junho, e dos artigos 3º, 5º nº 1, 9º, 11ºe 13º da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, e artº 5º nº 2 do Código dos Contratos Públicos, ao fazer aplicar essas normas ao ajuizado contrato, viola o artº 64º nº 2 e 3 da Constituição.

17. Uma vez que constitui uma imposição desproporcional ao impedir que o Recorrente proceda a contratação de tratamento e lavagem de roupa hospitalar, por inexistência de fundos disponíveis à data do contrato, impedindo, desse modo, e durante o ano de 2017, de prestação de cuidados de saúde aos doentes.

18. Colocando o Recorrente na posição de optar por violar a decisão recorrida e efetuar a despesa não autorizada por esta (com recusa de aposição de visto) ou, em alternativa, ter que encerrar o hospital , por ausência de roupa lavada para fornecer os blocos operatórios, os doentes , os profissionais de saúde e as enfermarias (batas médicas, lençóis, toalhas, etc.).

(…)

24. O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, estando verificados todos os requisitos de admissibilidade (…).»

4. Notificado para apresentar alegações, o recorrente concluiu:

«1. O entendimento que a decisão recorrida faz das normas de cariz financeiro ínsitas nos artºs 7.º nº 3 al. a), b) e c) do DL n.° 127 /2012, de 21 de junho, e dos artigos 3º, 5º nº 1, 9º, 11ºe 13º [...] da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro, aplicando-as ao contrato de prestação de serviços de lavagem, tratamento, recolha, e distribuição de roupa celebrado entre o Recorrente o SUCH, viola o art° 64° nº 2 e 3 da Constituição, como comando fundamental do direito à proteção da saúde.

2. A interpretação que o acórdão recorrido faz das citadas normas da Lei nº 8/2012), e do diploma que a desenvolve (Decreto-Lei n.º 127 /2012, de 21 de junho) e do art.º 5.º, nº 2, do C.C.P., impede a prossecução da atividade de prestação de cuidados de saúde pelo Recorrente às populações e ao direito à saúde dos cidadãos, acarretando restrição ao direito à saúde dos cidadãos (garantida pela Constituição).

3. Como consta dos factos provados pela decisão recorrida e pelos documentos juntos aos autos, a aquisição de serviços de tratamento de roupa pelo Centro Hospitalar do Porto, EPE aos SUCH (Serviço de Utilização Comum dos Hospitais - que, aliás, é uma entidade associada do Recorrente), é tão essencial para a proteção da saúde num hospital como a aquisição de...

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