Acórdão nº 603/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução11 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 603/2020

Processo n.º 172/20

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., S.A., recorrida nos presentes autos, em que é recorrente a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), requereu junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a constituição de tribunal arbitral para apreciação da legalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2017, referente ao exercício de 2014, na parte referente à não dedutibilidade de derrama municipal a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional.

Por acórdão de 2 de novembro de 2018, o tribunal arbitral julgou procedente o pedido quanto à dedutibilidade em causa e decidiu anular a liquidação impugnada, bem como o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a mesma.

Inconformada, a AT deduziu impugnação desta decisão perante o Tribunal Central Administrativo Sul, invocando omissão de pronúncia, em virtude de entender que o tribunal então recorrido não se pronunciara nem sobre uma exceção oportunamente deduzida nem sobre a questão da constitucionalidade da interpretação segundo a qual a derrama municipal, à semelhança da derrama estadual, integra o cálculo da “fração do IRC” prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 91.º do Código do IRC, independentemente de os rendimentos serem obtidos em países com os quais Portugal tenha celebrado uma convenção para eliminar a dupla tributação (CDT). Por acórdão de 13 de dezembro de 2019, o Tribunal Central Administrativo Sul julgou procedente a impugnação e declarou nula a decisão arbitral por esta não se ter pronunciado sobre tais questões.

Baixando os autos ao CAAD, o tribunal arbitral proferiu nova decisão, em 14 de janeiro de 2020, que manteve a procedência do pedido arbitral quanto à dedutibilidade da derrama municipal do crédito de imposto por dupla tributação internacional (fls. 3-7; também disponível a partir da ligação https://caad.org.pt/tributario/decisoes/, Processo n.º 42/2018-T).

2. De novo irresignada, a AT interpôs recurso para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), visando a apreciação da constitucionalidade do artigo 91.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, quando interpretado no sentido de que a derrama municipal, à semelhança da derrama estadual, integra o cálculo da “fração do IRC” para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional, independentemente de os rendimentos serem obtidos em países com os quais Portugal tenha celebrado uma CDT, por considerar tal norma incompatível com o «principio da legalidade e da igualdade, cfr. arts. 13º da CRP, 3º, 202º e 203º da mesma CRP e da legalidade e da igualdade, cfr. 266º, nº 2 da CRP no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.».

Subidos os autos e admitido o recurso, foram as partes notificadas para apresentarem alegações.

2.1. No final das suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

«A) Foi o presente recurso interposto, pela ora recorrente, AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, do Acórdão Arbitral proferido em 14/01/20, no âmbito do Proc. n° 42/2018-T, o qual considerou não existir qualquer inconstitucionalidade na interpretação por si efectuada do previsto na al. b) do art. 91° do CIRC tendo concluído que não ocorria violação do princípio da igualdade, porquanto, na sua óptica, estava a dispensar o mesmo tratamento a residentes e só na situação contrária, se os tratasse de forma diferente, se equacionaria a violação de tal princípio; e nem da legalidade, porque ao interpretar a lei, não a está derrogar ou a criar uma nova lei, mas apenas a exercer a competência judicial que lhe é cometida sendo que, também, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários só vincula a AT e não os Tribunais.

B) Pretende a recorrente, pois, face ao deliberado pelo Tribunal Arbitral, que no âmbito do presente recurso seja efectuada a fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, julgando-se inconstitucional o art. 91° n° 1 al. b) do Código do CIRC, na redacção à data aplicável, quando interpretado no sentido de que a derrama municipal, à semelhança da derrama estadual, integra o cálculo da "fracção do IRC" prevista na alínea b) do n° 1 do artigo 91.° do Código do IRC, para efeitos de eliminação da dupla tributação internacional, independentemente de os rendimentos serem obtidos em países com os quais Portugal celebrou, ou não, CDT, porquanto tal é violador do princípio da igualdade, cfr. arts. 13° da CRP, 3º, 202° e 203° da mesma CRP e da legalidade, cfr. 266°, n° 2 da CRP, bem como, do princípio da igualdade e da legalidade no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários.

C) Antes de mais, a liquidação do IRC prevista no n.° 1 do artigo 90.° do CIRC, à qual são efectuadas as deduções, não inclui a liquidação da derrama municipal por a mesma não ser considerada coleta de IRC.

D) Já no caso da derrama estadual, os seus pressupostos são bem distintos dos da derrama municipal, pois esta constitui uma receita do Estado, adicional e acessória do IRC. Como imposto acessório do IRC, a derrama estadual segue o mesmo regime do imposto principal ou imposto base em tudo que não se encontre expressamente excluído.

E) Neste sentido, o montante apurado no âmbito da derrama estadual deve ser considerado para efeitos do cálculo da fracção a que se refere a alínea b) do número 1 do artigo 91,° do CIRC, ou seja, adicionando-se o valor da derrama estadual, quando exista, proporcionalmente aos rendimentos líquidos auferidos fora do território nacional.

F) Sendo assim, as deduções determinadas pelo n.° 2 do mesmo artigo, nomeadamente no que concerne ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, são apenas deduções à coleta do IRC, não incluindo a derrama municipal.

G) Contudo, quando estejam em causa rendimentos abrangidos por CDT, o valor correspondente à dupla tributação jurídica internacional é deduzido à soma resultante do IRC liquidado segundo as normas do CIRC com o montante da derrama municipal liquidada nos termos da legislação respectiva.

H) Assim, tendo em conta que o princípio da igualdade não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador se possam estabelecer diferenciações de tratamento, "razoável, racional e objectivamente fundadas", sob pena de, assim não sucedendo, "estar o legisladora incorrerem arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes", cfr. o Acórdão n° 335/94, ao interpretar-se a alínea b) do n° 1 do artigo 910 do Código do IRC de modo a que nela seja incluída a derrama municipal à semelhança do que (só) sucede caso exista CDT, estamos a abrir a porta a um tratamento semelhante de situações diferentes que reclamam tratamento diferente.

I) É que, não é igual nem reclama um tratamento igual a situação de um sujeito passivo residente que se encontra abrangido por uma CDT celebrada por Portugal e outro Estado Contratante, no qual foram obtidos os rendimentos, da situação de um sujeito passivo residente que tem rendimentos obtidos noutro Estado com o qual Portugal não celebrou uma CDT.

J) Trata-se, claramente, segundo a interpretação que foi acolhida pelo Tribunal arbitral referente à alínea b) do n° 1 do art. 91° do Código do IRC de proceder a um tratamento igual ao que (só) é dispensado, num quadro de reciprocidade entre Estados e ao abrigo de princípios do direito internacional, aos residentes de Estados com os quais existe uma CDT celebrada quanto à tributação do rendimento.

K) Ora, esse diferente tratamento entre estas duas situações diferentes é justificada e objectivamente fundada, uma vez que tendo a derrama municipal uma natureza diferente da derrama estadual, só num quadro de reciprocidade e de limitação de soberania fiscal se aceita poder concorrer para a dedução do crédito de imposto por dupla tributação internacional, atribuindo-se a estes sujeitos passivos essa possibilidade num quadro de reciprocidade e na medida dessa mesma reciprocidade entre Estados contratantes.

L) É que, perante a existência de uma convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento, os Estados Contratantes abdicam de direitos de tributação com o propósito de criar um quadro fiscal favorável à circulação de pessoas e capitais e de facilitar a vida e a actuação das pessoas e operadores económicos residentes em ambos os Estados, e aos contribuintes é dada a possibilidade de optar pelo regime mais favorável - o que decorre da lei interna ou das normas convencionais.

M) Assim, quando se vincula ao cumprimento dos compromissos assumidos numa convenção para evitar a dupla tributação, o Estado Português coloca-se numa posição em que aceita uma eventual redução da receita dos impostos abrangidos, onde se inclui a derrama municipal, na medida em que as convenções celebradas por Portugal aplicam-se aos impostos sobre o rendimento que tenham por sujeito ativo o Estado, uma subdivisão política ou administrativa ou uma autarquia local (art.0 2.° n.° 1), sendo mencionada expressamente, no mesmo artigo, a derrama municipal (e, nas mais recentes, a derrama estadual).

N) Logo, subsistem razões, para distinguir, no quadro do n.° 1 do artigo 91.° do Código do IRC, a derrama estadual e a derrama municipal, bem como para não confundir o regime da lei interna com o regime convencional.

O) E nem se diga que está em causa dispensar um tratamento igual a residentes, uma vez que, o tratamento desigual de situações diferentes é reclamado por razões objectivamente fundadas.

P) Posto isto, é forçoso concluir que o Tribunal Arbitral na decisão prolatada no âmbito do Proc...

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