Acórdão nº 623/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução11 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 623/2020

Processo n.º 564/2020

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Município do Funchal veio reclamar, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), da decisão sumária n.º 486/2020.

2. O presente recurso é incidente de execução fiscal a correr termos contra o recorrente, para cobrança coerciva de dívida de que é titular A., S.A., na qual foi deduzida oposição pelo executado.

Por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) em 12 de fevereiro de 2020, foi negado provimento ao recurso interposto pelo aqui também recorrente e confirmada a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que havia julgado improcedente a oposição.

Notificado, o Município do Funchal interpôs recurso desse acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com indicação de que a impugnação visa «a apreciação da conformidade constitucional da norma e da interpretação normativa que a decisão recorrida fez da alínea g), do n.º 1 do art.º 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16.º-A do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto», dizendo que a «questão de constitucionalidade aqui enunciada foi suscitada no recurso interposto para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tanto no desenvolvimento da alegação, como nas conclusões que a rematam e que aqui se deixam expressas». Após, transcreve as conclusões 9.ª a 12.ª e 21.ª das alegações do recurso para o STA.

3. Admitido o recurso e remetidos os autos, o relator proferiu a decisão sumária reclamada, concluindo pelo não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:

«4. O recorrente formula pretensão de ver apreciada a conformidade constitucional de interpretação reportada à conjugação de vários preceitos normativos - alínea g) do n.º 1 do artigo 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16.º-A, todos do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto, aludindo-se ainda ao n.º 1 do artigo 204.º do CPPT– mas sem especificar, de modo claro e preciso, cumprindo ónus que sobre si recai (n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC), qual o sentido ou dimensão normativa que, extraída e aplicada pelo tribunal recorrido como critério jurídico de decisão, carece de legitimidade constitucional.

Apenas é dito que o artigo 16º-A do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n,º 6/2015/M, de 13 de agosto, contém «uma norma que permite a uma empresa pública regional executar uma entidade pública ou privada sem que as mesmas tenham o direito de perceber a razão dessa execução e mais grave do que isso defender-se da mesma», vindo, de seguida, aludir a dois outros preceitos do mesmo diploma, e à aplicação “[d]as normas referentes à cobrança coerciva de dívidas exigíveis em processo de execução fiscal, sem se aplicarem os fundamentos de oposição à execução fiscal previstos no artigo 204.º, n.º 1, do C.P.P.Tributário”.

Haveria, assim, que endereçar ao recorrente convite ao aperfeiçoamento, em obediência ao n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, não fora a evidência da inutilidade de tal convite, sempre cumprindo afastar o conhecimento do recurso, por inverificação de pressuposto insuprível da modalidade de impugnação jurídico-constitucional em presença: a suscitação prévia e processualmente adequada de questão normativa de inconstitucionalidade.

5. Com efeito, como emerge da natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso - reapreciar uma questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter anteriormente apreciado e decidido, e não dirimir “questões novas”-, é pressuposto da admissibilidade e conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como no caso dos autos, que a questão de inconstitucionalidade a debater pela via da fiscalização concreta haja sido suscitada “durante o processo” e “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (artigo 72º, nº 2 da LTC).

Sobre o cumprimento de tal ónus, o Tribunal Constitucional vem entendendo que cumpre ao recorrente enunciar a questão de inconstitucionalidade “de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir”, o que reclama que identifique, de forma expressa, direta, clara e percetível, a norma ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma que tem por violador da Lei Fundamental (Acórdão n.º 269/94), constituindo orientação pacífica deste Tribunal que, neste último caso, “esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-se ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição” (Acórdão n.º 367/94).

6. No caso vertente, não foi suscitada perante o tribunal recorrido, de forma processualmente adequada, uma qualquer questão normativa de inconstitucionalidade, única idónea a fundar a legitimidade do recorrente.

Na verdade, e ao contrário do sustentado no requerimento em apreço, percorrendo a argumentação recursória, com tradução nas conclusões formuladas nas alegações apresentadas ao Supremo Tribunal Administrativo, em especial no alegado nas pp. 16 e 17 e nos artigos 9.º a 12.º e 21.º das conclusões, constata-se que o recorrente não enunciou um sentido normativo minimamente precisado, contido no ordenamento jurídico aplicável ao caso, que devesse ser desaplicado com fundamento em inconstitucionalidade; ao invés, a parte limita-se a defender um certo sentido para a norma...

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