Acórdão nº 3/21 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução06 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 3/2021

Processo n.º 542/20

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A. e B., reclamantes nos presentes autos, em que é reclamado o Ministério Público, notificados do acórdão, proferido a 12 de setembro de 2019, pelo Supremo Tribunal de Justiça, vieram arguir a sua nulidade, por omissão de pronúncia, alegando o primeiro, em síntese, que o mesmo “[n]ão apreciou, como requerido, a questão da prescrição dos diversos crimes de corrupção pelos quais o requerente foi condenado, à luz da decisão de inconstitucionalidade, contida no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 6 de Fevereiro de 2019”, e o segundo que “[a] questão da prescrição do procedimento criminal, para além de ter sido suscitada por todos os Recorrentes, é de conhecimento oficioso: ou seja, o Venerando Supremo Tribunal não poderia nunca eximir-se ou recusar-se a apreciar a mesma”, violando o acórdão os artigos 29.º e 32.º da Constituição, “configurando assim uma inconstitucionalidade grave”.

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de fevereiro de 2020, indeferiu os referidos requerimentos de arguição de nulidade, com os fundamentos seguintes (cf. fls. 54326-54322):

“[…] Como se pode verificar do respetivo teor, este arguido [A.], à semelhança do que ocorreu com os arguidos B. e C., pretendia a aplicação aos crimes de corrupção passiva, por que foram condenados, do critério do Tribunal Constitucional, pedindo que para tal efeito fossem remetidos à primeira instância.

Importa ter aqui em conta duas questões:

1 – Ao tempo da decisão do Tribunal Constitucional estes arguidos já não eram recorrentes e quanto aos mesmos a decisão condenatória transitara já em julgado.

2 – Estes arguidos não colocaram ao Supremo Tribunal de Justiça qualquer questão que este tribunal devesse conhecer. Limitaram-se a requerer a remessa dos autos à primeira instância para que aí fosse apreciada essa sua pretensão, remessa que necessária e oportunamente ocorrerá.

No acórdão é feita referência aos requerimentos destes arguidos (com exceção do apresentado por A.), pura e simplesmente para verificar se de alguma forma seriam abrangidos pelo efeito subjetivo ou objetivo da decisão do Tribunal Constitucional.

[…]

Verifica-se pois que a decisão reclamada não apreciou a questão suscitada pelos reclamantes no que diz respeito à prescrição do procedimento criminal não apenas nem principalmente porque tal lhe não foi solicitado mas por ter constatado que essa questão estava fora do âmbito dos efeitos da decisão do Tribunal Constitucional, pelo que dela não poderia conhecer já que, face a tal constatação, ficou intocado o trânsito em julgado da decisão no que respeita a estes reclamantes. […]”

2. Irresignados, vieram os reclamantes interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante Lei do Tribunal Constitucional ou LTC) que, por decisão sumária de 6 de novembro de 2020, decidiu não tomar conhecimento do objeto dos recursos, com os seguintes fundamentos (cf. fls. 54424-5431):

[…] 5. Neste caso, porém, constata-se que os recorrentes apenas vêm confrontar o Supremo Tribunal de Justiça com a questão de inconstitucionalidade, na sequência da notificação do acórdão daquele Supremo Tribunal, de 12 de setembro de 2019, nos respetivos requerimentos de arguição de nulidade, por alegada omissão de pronúncia (cf. fls. 54287 e 54293). Defendem os recorrentes a este respeito que, atenta a pronúncia do Tribunal Constitucional na sequência do recurso apresentado pelo co-arguido Avelino Pedro Pinto – cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/2019, de 6 de fevereiro de 2020 –, o Supremo Tribunal de Justiça teria de reformar a decisão relativa à contagem do prazo prescricional do crime de corrupção passiva, em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade proferido a respeito do crime de corrupção ativa.

Sucede, porém, que, tal como decorre da decisão sob recurso em que o Supremo Tribunal de Justiça se pronúncia quanto às alegadas nulidades por omissão de pronúncia, “ao tempo da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional estes arguidos já não eram recorrentes e quanto aos mesmos a decisão condenatória transitara já em julgado”. Decidiu o Supremo, em conformidade, ao indeferir a invocada nulidade de omissão de pronúncia, que: “Verifica-se pois que a decisão reclamada não apreciou a questão suscitada pelos reclamantes no que diz respeito à prescrição do procedimento criminal não apenas nem principalmente porque tal não foi solicitado mas por ter constatado que essa questão estava fora do âmbito dos efeitos da decisão do Tribunal Constitucional, pelo que dela não poderia conhecer já que, face a tal constatação, ficou intocado o trânsito em julgado da decisão no que respeita a estes reclamantes”.

Na verdade, a questão que os ora recorrentes pretendiam submeter à apreciação daquele Supremo Tribunal, em sede de requerimento de arguição de nulidade, era uma “questão nova” de inconstitucionalidade, uma questão nunca antes submetida às instâncias – a da alegada inconstitucionalidade da contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal quanto aos crimes de corrupção passiva –, em moldes paralelos à pronúncia acolhida pelo Tribunal Constitucional para os crimes de corrupção ativa, no referido Acórdão n.º 90/2019.

Refira-se, aliás, que nos requerimentos apresentados a 23 de abril de 2019, pelo ora recorrente A., e a 8 de abril de 2019, pelo ora recorrente B., os mesmos apenas requeriam, na sequência da pronúncia do Tribunal Constitucional, a baixa dos autos à primeira instância para que fosse apreciada a questão da prescrição superveniente do procedimento criminal quanto aos crimes de corrupção passiva de que foram condenados (cf. fls. 54300 e 54046, respetivamente), por força do alegado caso julgado condicional do recurso interposto por Avelino Pedro Pinto. Constata-se, assim, claramente, que os ora recorrentes pretendiam submeter a uma nova apreciação das instâncias a questão da “ampliação” dos efeitos da pronúncia do Tribunal Constitucional quanto ao crime de corrupção ativa.

Sendo esta uma “questão nova”, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, não era a mesma passível de ser conhecida, em requerimentos de arguição de nulidade do acórdão de 12 de setembro de 2019.

Como aponta Lopes do Rego “a exigência de que haja sido suscitada, em termos procedimentalmente adequados, a questão de inconstitucionalidade normativa – que a jurisprudência constitucional sempre inferiu do conceito legal de suscitação “durante o processo” e que presentemente se mostra explicitamente consagrada no n.º 2 do artigo 72.º desta Lei – implica a existência de um tempo e um modo adequados para levantar no “processo base” a questão da inconstitucionalidade das normas relevantes para a dirimição do caso. (…) Assim – porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença ou acórdão e a eventual aplicação de norma inconstitucional não constitui erro material ou lapso notório, não é causa de nulidade da decisão e não torna esta obscura ou ambígua – tem de entender-se que os incidentes pós-decisórios (pedido de aclaração, de reforma ou arguição de nulidade da decisão), previstos na lei do processo, não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar, pela primeira vez, uma questão de inconstitucionalidade de normas aplicadas pelo julgador na decisão do pleito ou causa principal (…)” (cf. “Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, Almedina, 2010, p. 77).

Assim, só em casos absolutamente excecionais ou anómalos, em que o recorrente seja confrontado com uma interpretação normativa totalmente imprevisível e inesperada, tem a jurisprudência constitucional admitido a recorribilidade de tais decisões (cf., neste sentido, Acórdão n.º 192/00, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Não preenchem, porém, naturalmente, esse critério os casos em que a norma ou interpretação normativa questionada já foi aplicada e devidamente notificada ao recorrente – como sucede, neste caso concreto, face à decisão condenatória dos ora recorrentes, pelos crimes de corrupção passiva, já transitada em julgado.

6. Da exigência de suscitação processualmente adequada resulta, então, que os recorrentes teriam de ter colocado a questão de (in)constitucionalidade em intervenção processual admissível e eficaz, de modo a vincular o juiz a quo ao conhecimento da mesma, para que o Tribunal Constitucional ao julgá-la, em via de recurso, procedesse ao seu reexame (cf. Acórdãos n.º 155/95 e 195/06).

Não se mostrando, neste caso, cumprido o ónus de suscitação prévia, os recorrentes carecem de legitimidade para interpor os presentes recursos (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2 da LTC), o que inviabiliza o conhecimento do seu objeto”.

3. Não se conformando com o decidido, vieram agora apresentar reclamação para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC.

Na sua reclamação, advoga o primeiro reclamante (cf. fls. 54447-54457) que:

“Nos autos de recurso, à margem identificados, vem o recorrente A., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (“LTC”), reclamar para a conferência da decisão sumária que decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso, nos termos e pelos fundamentos seguintes:

1º) - A presente reclamação não pretende pôr em causa o respeito devido à decisão sumária, mas o reclamante não se pode conformar com a...

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