Acórdão nº 115/21 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 115/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em que é recorrente A. e recorrida B., Lda., o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da alínea b) do n.º 1 do artigo 72.º, do n.º 1 do artigo 75.º, do artigo 75.º-A e do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal da Relação em 22 de janeiro de 2019 (a fls. 298-335), no qual se julgou improcedente a apelação interposta pelo ora recorrente, confirmando-se a decisão então recorrida.

2. Resulta dos autos, com relevância para a situação sub judice, o seguinte:

a) Foi celebrado um contrato de arrendamento não habitacional em 30 de março de 1995, tendo por objeto a loja onde estava sediada a B., pelo prazo de seis meses, renovável por períodos iguais e sucessivos, com início no dia 1 de abril do mesmo ano (cf. fls. 4 a 7);

b) Na sequência das alterações introduzidas ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o senhorio propôs à inquilina, em 3 de abril de 2013, a atualização de renda e que o contrato passasse a ter o prazo certo de cinco anos (cf. fls. 7-verso);

c) Em resposta, a inquilina, em carta datada de 22 de abril de 2013, comunicou ao senhorio recusar o aumento de renda, aceitando que o contrato passasse a ter o prazo certo de cinco anos (cf. fls. 8);

d) Nesta sequência, o senhorio comunicou à inquilina, em 2 de maio de 2013, que o valor da renda se manteria, considerando-se o contrato celebrado por cinco anos (cf. fls. 8-verso);

e) Em 15 de maio de 2017, a inquilina candidatou-se formalmente ao programa municipal «Lojas com História»;

f) Em 14 de Junho de 2017, foi publicada a Lei n° 42/2017, de 14 de junho, que estabelece o regime de reconhecimento e proteção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local;

g) Em 27 de julho de 2017, o senhorio manifestou à inquilina a sua oposição à renovação do arrendamento, nos termos do disposto no artigo 1097.°, n.° 1, alínea b), por remissão do artigo 1110.°, ambos do Código Civil, para produzir efeitos na data de 30 de abril de 2018 (cf. fls. 14 e 14-verso);

h) Em 3 de agosto de 2017 a inquilina respondeu, invocando que, pelo facto de se ter candidatado à distinção «Lojas com História», não poderia o proprietário opor-se à renovação do contrato de arrendamento por um período adicional de cinco anos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 13.º, da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho (cf. fls. 103-verso e 104);

i) Na reunião da Câmara Municipal de Lisboa (CML) de 16 de fevereiro de 2018, sob a proposta n.º 54/CM/2018, foi aprovado submeter a consulta pública durante 20 dias úteis, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho, o reconhecimento e a proteção de um conjunto de estabelecimentos como «Loja com História», incluindo a B.;

j) A., ora recorrente, intentou uma providência cautelar contra o município de Lisboa com vista à suspensão da deliberação camarária supra identificada, cujo processo viria a ser declarado extinto, por intempestividade do uso da ação principal adequada à tutela definitiva dos interesses invocados, por decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa de 27/8/2018 (fls. 207-212);

k) Na reunião da CML de 27/6/2018 foi adotada a Deliberação n.º 403/CM/2018 que distinguiu a B. como «Loja com História».

3. O litígio nos autos a quo – decidido em recurso no TRL em acórdão prolatado em 22 de janeiro de 2019, ora recorrido – respeita a uma ação especial de despejo (Procedimento Especial de Despejo) intentada pelo senhorio, ora recorrente, contra a inquilina, ora recorrida, com os desenvolvimentos que de seguida se explicitam.

a) A., ora recorrente, intentou um Procedimento Especial de Despejo (PED) junto do Balcão Nacional de Arrendamento (BNA), contra B., Lda, alegando como fundamento para o despejo a oposição à renovação do contrato de arrendamento pelo senhorio, nos termos dos artigos 1097.º, n.º 1, alínea b) e 1110.º, ambos do Código Civil.

b) A A., Lda. apresentou oposição, alegando que tinha respondido à comunicação do senhorio (datada de 27/7/2017) da oposição à renovação do contrato informando sobre a sua candidatura ao Programa «Lojas com História» em maio de 2017, pelo que seria aplicável o disposto no artigo 13.º, n.º 3, da Lei n.º 42/2017, de 14 de junho.

c) A oposição da inquilina foi admitida, tendo sido impugnada pelo requerente, ora recorrente.

d) O Tribunal de 1ª instância julgou improcedente o procedimento de despejo e absolveu a ré inquilina, ora recorrida, do pedido (cf. sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 5, de 17/10/2018, fls. 232 a 237).

e) O senhorio, ora recorrente, interpôs recurso de apelação para o TRL, apresentando, designadamente, as seguintes conclusões (cf. fls. 239-247, fls. 246 e 246-verso):

«1. A questão a dirimir com o presente recurso incide somente sobre uma questão de Direito, pretendendo-se, unicamente, saber se, nos termos do artigo 1097.° do Código Civil (doravante CC), o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor/Recorrente e a Ré/Recorrida cessou a 30 de Abril de 2018, em virtude da oposição à renovação do contrato atempadamente comunicada pelo Recorrente Senhorio; ou se, pelo contrário, o referido contrato não cessou, por o Autor/Recorrente, na qualidade de Senhorio, estar impedido de se opor à renovação do contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho.

2. A interpretação do artigo 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, conjugado com a alínea d) do n.° 4 do artigo 51.° do NRAU no sentido de fazer retroagir à data de candidatura, os efeitos que a lei prevê para o reconhecimento, constituiu uma restrição (ilegítima e desproporcional) dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança na previsibilidade do Direito.

3. Já de si, o art. 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, deve ser considerado inconstitucional por constituir uma restrição ilegítima ao direito de propriedade privada (art. 62.° da CRP) e uma norma restritiva proibida à luz do art. 18.° da CRP. Inconstitucionalidade essa que desde já se invoca.

4. Mas ainda que preceito não seja considerado inconstitucional, as restrições que o mesmo estabelece deverão limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais - cfr. n.°s 2 e 3 do artigo 18.° da CRP.

5. Sendo, por conseguinte, inconstitucional a interpretação do citado artigo 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, em conjugação com a alínea d) do n.° 4 do artigo 51.° NRAU no sentido de abranger no seu escopo estabelecimentos cujo processo de apreciação e qualificação como estabelecimento e entidades de interesse histórico e cultural ou social local não esteja concluída.

6. Pois tal configuraria, inequivocamente, uma aplicação retroactiva (proibida) do preceito que refere a existência, no locado, de "um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelo município, nos termos do respectivo regime jurídico".

7. Acresce que, no caso dos autos, em que se encontra esgotada toda a produção de efeitos contratuais relativa ao arrendamento, mais manifestamente contrária ao disposto no citado artigo 18.° da CRP seria uma interpretação do artigo 13.° da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, em conjugação com a alínea d) do n.° 4 do artigo 51.° do NRAU que abrangesse um estabelecimento ainda não classificado como estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local quer à data da oposição à renovação deduzida pelo senhorio, quer à data devida pela desocupação.

(…)».

f) Contra-alegou a Ré inquilina, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida (cf. fls. 266 a 285).

g) O TRL, no acórdão prolatado em 22/1/2019, entre o mais, assim ponderou e decidiu (cf. fls. 298 a 335, em especial fls. 312-332):

«III - QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.

São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:

1 - Admissibilidade do documento junto pela recorrente com as alegações de recurso. 

2 - Regime especial de protecção à defesa e preservação dos contratos de arrendamentos onde exista no locado um estabelecimento comercial a que seja conferida pelo Município a distinção de "loja com história". Da aplicação à situação sub judice do disposto no artigo 13°, n° 3, da Lei n° 42/2017, de 14 de Junho, que impede a oposição à renovação do contrato de arrendamento pelo senhorio, impondo um prazo adicional de cinco anos, salvo acordo das partes em contrário. Demora no procedimento administrativo, não imputável ao inquilino. Princípios constitucionais da tutela da confiança, da segurança jurídica e da boa fé (artigo 2o da Constituição da República Portuguesa).

3 - Pretensa violação do princípio constitucional da proibição da retroactividade, nos termos do artigo 18°, n°s 2 e 3, da Constitu[i]ção da República Portuguesa, invocada pelo A.

Passemos à sua análise:

1 - Admissibilidade do documento junto pela recorrente com as alegações de recurso.

(…)

2 - Regime especial de protecção à defesa e preservação dos contratos...

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